sábado, 20 de dezembro de 2008

O CASO DO PEQUENO HANS - Análise de uma fobia

Os relatos sobre Hans datam de um período em que ele se estava para completar três anos de idade. Naquela época, ele demonstrava um interesse particularmente vivo por aquela parte do seu corpo que ele costumava chamar de 'pipi'. Com essa mesma idade entra num estábulo e ve ordenharem uma vaca e diz que está saindo leite do pipi dela. Seu interesse pelos pipis de modo algum era um interesse puramente teórico; como era de se esperar, também o impelia a tocar em seu membro. Aos três anos e meio sua mãe o viu tocar com a mão no pênis e o ameçaça de chamar o Dr. A. para cortar fora seu pipi e ele diz que se cortar o pipi dele ele fará com o traseiro. Aproximadamente com essa mesma idade o pequeno Hans, de pé em frente à jaula dos leões, em Schönbrunn, gritou com voz alegre e animada ter visto o pipi do leão. Isso favoreceu que ele chegasse a um autêntico conhecimento abstrato. Certa vez aos três anos e nove meses na stação ferroviária viu água saindo de uma locomotiva e disse 'olha, a locomotiva está fazendo pipi. Mas onde está o pipi dela?' Depois de pequena pausa, acrescentou com alguma reflexão 'Um cachorro e um cavalo tem pipi; a mesa e a cadeira não'. Assim, toma consciência de uma característica essencial de diferenciação entre objetos animados e inanimados. A curiosidade de Hans orientava-se em aprticular para seus pais. Pergunta ao pai se ele tem pipi. O pai responde que sim. Hans diz que nunca viu quando o pai tirava a roupa. Em outra ocasião olha insistentemente sua mãe despida, antes de ir pra cama. A mãe pergunta para que ele estava olhando pra ela daquele modo. Hans responde que só queria ver se ela também tem um pipi. Sua mãe respone que sim. Hans diz a mãe que penseou que ela fosse tão grande que tinha um pipi igual ao de um cavalo.
O grande evento na vida de Hans foi o nascimento de sua irmãzinha Hanna, quando ele tinha três anos e meio. Lhe disseram que a cegonha iria trazer uma menina ou menino. É levado ao quarto e não olha para a mãe mas sim para as bacias e outros recipientes, cheios de sangue e água que ainda estavam espalhados pelo quarto. Apontando para a comadre suja de sangue observou, num tom de surpresa: "Mas não sai sangue do meu pipi". Hans tem muito ciúmes da recém-chegada. Adoeceu subitamente com uma forte dor de garganta, e durante a sua febre ouviram-no dizer que não queria uma irmãzinha. Uns seis meses mais tarde supera o seu ciúme e sua afeição fraternal pelo bebê era igualada apenas pelo seu sentimento de superioridade quanto a ela. Hans observa a irmã de 7 dias a quem davam banho e observa que o pipi dela ainda é bem pequenininho e que quando ela crescer vai ficar bem maior. O primeiro traço de homossexualidade (e não será o ultimo) surge entre Hans e um primo de 5 anos que veio lhe visitar. Hans constantemente colocava os braços ao redor dele e num desses ternos abraços diz que gosta muito do primo.

sábado, 22 de novembro de 2008

O CASO SCHREBER - Análise de um caso de psicose

HISTÓRIA CLÍNICA

Dr. Daniel Paul Schereber apresentou em seu livro "Memórias de um doente de nervos" - publicado em 1903, oito anos antes de sua morte "faleceu em 14 de abril de 1911" - sua história clínica, embora muitas partes importantes foram censuradas dificultando a análise de Freud.
No outono de 1884, com 42 anos, ocorreu a primeira manifestação efetiva da doença. Em fins de 1885 achava-se completamente restabelecido. Na ocasião estava se candidatanto às eleições parlamentares as quais perdeu. Era então, presidente do TribunalRegional de Chemmitz.
Tratou-se em uma clínica sob os cuidados do Dr. Flechisig durante seis meses, sendo diagnosticado na época uma crise de hipocondria grave.
Sua vida seguiu por mais oito anos sem nenhum acontecimento significativo, passando momentos de grande felicidade com a esposa, ricos dee honorários e nublados apenas, de vez em quando, pela contínua frustração da esperança de ser abençoado com filhos. Foi informado em junho de 1893 de sua provável indicação para o Senatspräsident, e assumiu o cargo a primeiro de outubro do mesmo ano. Entre os períodos de junho de 1893 e outubro de 1893 teve dois sonhos os quais só mais tarde que lhes veio a atribuir alguma importância, a saber: o primeiro trazia a idéia de que seu antigo distúrbio retornara, e o segundo, em que se encontrava entre o sono e a vigília pensou que deveria ser muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula, idéia que teria rejeitado com a maior indignação, se estivesse plenamente consciente.
Ao final de 1893, desenvolveu-se o segundo período da doença. Na época era presidente da Corte de Apelação de Dresden e submetido a um tratamento estafante, estando com 52 anos. Queixava-se de acesso de insônia, tendo idéias extremamente hipocondríacas, acreditando estar em decomposição - achava que seus órgãos internos apodreciam (queixava-se de ter um amolecimento do cérebro); apresentava idéias de perseguição, alta sensibilidade à luz e ao som (hiperestesia). Mais tarde, as ilusões visuais e auditivas tornaram-se mais freqüentes e, junto com os distúrbios cenestésicos, dominavam a totalidade de seu sentimento e pensamento. Acreditava estar morto e em decomposição, que sofria de peste: asseverava que seu corpo estava sendo manejado de maneira mais revoltante. Ansiava pela morte, tentando várias vezes o suicídio (relatório redigido pelo diretor do Asilo Sonnenstein). Fez repetidas tentativas de afogar-se durante o banho e pediu que lhe fosse dado o "cianureto que lhe estava destinado".
Algum tempo depois estas idéias delirantes assumiram um caráter místico, e a psicose inicial aguda se desenvolveu rapidamente. Schereber, qualquer que fosse o assunto discutido, agia normalmente, apresentava um alto nível cultural e intelectual, mostrava-se uma pessoa inteligente e bastante interessada em assuntos gerais - de toda natureza - e se relacionava muito bem com as pessoas ao seu redor.
Nem por isso deixava de acreditar em seus delírios, ao contrário, discutia-os como se tratasse de um outro assunto qualquer. Havia certas pessoas por quem pensava estar sendo erseguido e prejudicado, e aquem dirigia vitupérios. A mais proeminente delas era seu médico anterior, Fleschsig. Foi removido para Leipzig e, após breve intervalo passado noutra instituição, foi trazidoem junho de 1894 para o Asilo Sonnenstein, perto de Pirna, onde permaneceu até que o distúrbio assumiu o aspecto final. A psicose inicial comparativamente aguda, que havia envolvido diretamente toda a vida mental de Schereber merecia no nome de "insanidade alucinatória"desenvolveu-se cada vez mais claramente até o quadro clínico paranóico. Apesar de ter desenvolvido uma estrutura delirante, por outro lado sua personalidade fora reconstruída e se mostrava, exceto por alguns distúrbios isolados, capaz de satisfazer as exigências da vida cotidiana. Assim em julho de 1902, os direitos civis do Herr Senatspräsident Dr. Schereber foram restabelecidos.
Finalmente a terceira crise que o acompanhou à morte se deu a 27 de novembro de 1907.

. Sistema delirante de Schereber:
O enfoque principal de seu sistema delirante apoia na sua crença em ter a missão de salvar o mundo e restituir-lhe o estado de beatitude. Esta missão se realizaria primeiramente ao transformar-se em mulher, pois assim geraria uma nova raça de homens, uma raça purificada. Foi convocado a essa tarefa, assim assevera, por inspiração direta de Deus. Ele próprio, está convencido, é o único objeto sobre o qual milagres divinos se realizam, sendo assim o ser humano mais notável que até hoje viveu sobre a Terra.
Segundo o Dr. Weber - diretor da clínica e Flechsig a força motivadora deste complexo delirante foi a ambição do paciente em desempenhar o papel de redentor. Ambição igual a onipotência.
No início de seu delírio, Schereber acreditava que estava apodrecendo, que seus órgãos estavam se decompondo e no lugar estavam se formando nervos femininos, tendo início o processo de emasculação; encarava este ato com repulsa e perseguição pois acreditava fazer parte de sua missão seu corpo ser entregue a alguém para que este o usasse sexualmente. A toda hora e a todo minuto, durante anos, experimentou esses milagres em seu corpo e teve eses milagres confirmados pelas vozes que com ele conversaram. Durante os primeiros anos de sua moléstia, alguns de seus órgãos corporais sofreram danos terríveis que inevitavelmente levariam à morte qualquer outro homem; viveu por longo tempo sem estômago, sem intestino, quase sem pulmões, com o estômago rasgado, sem bexiga e com as costelas despedaçadas; costumava às vezes engolir parte de sua laringe com a comida etc. Mas milagres divinos ("raios") sempre restauravam o que havia sido destruído, e portanto, enquanto permanecer homem, é iteiramente imortal. Esses fenômenos alarmante cessaram e, como alternativa, sua "feminilidade" tornou-se proeminente. Ele tem a sensação de que um número enorme de "nervos femininos" já passou para o seu corpo e, a partir e, a partir deles, uma nova raça de homens originar-se-á, através de um processo de fecundação direta por Deus. Somente então, segundo parece, poderá morrer de morte natural, e juntamente com o resto da humanidade, reconquistará um estado de beatitude. Nesse meio tempo não só o Sol, mas também as árvores e pássaros, que têm a natureza de "resíduos miraculados (bemiracled) de antigas almas humanas, falam-lhe com inflexões humanas, e coisas miraculosas acontecem a seu redor.
Considerou o Dr. Flechsig como o perseguidor, seu inimigo, chamando-o de "assassino de almas". Posteriormente, atribuiu a perseguição ao próprio Deus e o Dr. Flechsig tornou-se aliado ou cúmplice de Deus contra ele.
Baseado na "ordem das coisas", no início era contrário a sua transformação em mulher, mas depois achou que a transformação era de acordo com a "ordem das coisas" porque servia a desígnios divinos.
A relação com Deus era feita por um contato direto através de seus nervos e os nervos de Deus (os raios do Sol). Esta comunicação tinha a finalidade de atrair Deus para uma fecundação.

. Teoria - Psicoses:
A neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ou seja, o ego obedece às exigências da realidade e do superego, recalcando as reivindicações pulsionais.
O mecanismo básico de defesa das neuroses é a repressão que originará os sintomas característicos da neurose obcessiva, histeria de conversão ou neurose de angústia..
Esses sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem as suas raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromisso entre o desejo e a defesa.
As atitudes narcisistas, na neurose não são uma uma perversão mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de auto preservação, pois não chega a uma satisfação completa das atividades narcisistas. Mesmo quando persiste desistir de sua relação com a realidade, não corta de modo algum suas relações eróticas com as pessoas e as coisas. No caso da histeria ou da neurose obsessiva ainda retém suas relações na fantasia, isto é, há uma substituição por um lado, dos objetos imaginários de sua memória por objetos reais, ou então, mistura os primeiros com os segundos e por outro lado renuncia à iniciação das atividades motoras para a obtenção de seus objetos.
Normalmente, o mundo externo governa o ego pelas percepções atuais e presentes, que se renovam constantemente e pelas lembranças de percepção anteriores que formam um mundo interno no ego.
Na psicose o ego além de rejeitar novas percepções do mundo externo, retira a catexia do mundo interno e cria de acordo com os desejos do id, um novo mundo externo e interno. Existe ai uma volta à fase de fixação na infância, que é o narcisismo primário para a parafrenia, ou à etapa anterior, o auto erotismo na esquizofrenia.
Segundo Freud inicialmente a criança não tem ego, ele é desenvolvido posteriormente, mas os instintos auto eróticos existem desde o começo. Depois desse auto erotismo uma nova ação psíquica será adicionada, haverá a integração do ego, surgindo o narcisismo primário.
No início toda libido é direcionada para o ego e posteriormente parte dessa libido será transmitida a objetos - pessoas e coisas - se dividindo em libido do ego e libido objetal. Numa pessoa "normal", essa libido circula do objeto para o ego e vice versa, sendo que quando está direcionada para uma diminui a outra. A libido do objeto atinge seu ápice de direcionamento, por exemplo, quando nos apaixonamos, situação em que enaltecemos o outro e até esquecemos de nós mesmos.
Na psicose a libido do objeto é totalmente recolhida para o ego. A libido liberada pela frustração é retirada para o ego e a megalomania corresponderia ao domínio psíquico dessa libido. Assim, o indivíduo entra em algo chamado narcisismo secundário, que tem muito a ver com o narcisismo primário. A retração provoca uma dissolução das identificações secundárias com o mundo externo. Na parafrenia, a libido sai em busca de objetos - propósito de cura - e dá lugar ao delírio. Esta retração da libido provoca algo chamado "vivência de fim de mundo" onde ela abandona o mundo debilitando-o até a sua destruição e se dirige ao Eu engrandecendo-o.
A psicose tem seu início provavelmente num momento de frustração na infância por um desejo profundamente enraizado que não foi realizado. Essa frustração pode se dar por meio do superego, que assume a representação das exigências da realidade. O ego no caso da psicose se deixa derrotar pelo id e é arrancado da realidade. O ego fracassa na tentativa de conciliar as exigências que as outras instâncias fazem a ele, portanto retirando catexia dos objetos do mundo externo.

. Destino do componente afetivo:
Segundo Freud o componente afetivo que aparece junto a uma idéia ou representação pode ter três caminhos:
- aparecer normalmente
- modificar-se em outro tipo de sentimento - no caso do sentimento inicial causar desconforto, muda-se a qualidade do sentimento.
- ou se inibir seu desenvlvimento - repressão.
Nos dois últimos destinos citados, o que há é uma forma de defesa por um sentimento que causa desprazer ou ansiedade.

. Diferença entre esquizofrenia, parafrenia e paranóia:
Esquizofrenia - demência precoce - para Kraeplin. Acontece na juventude. Deterioração da vontade, indiferença para com os outros, recalque total, intenções e reconexão são débeis, delírios pobres e menos estáveis, decadência psíquica, fixação na fase de auto erotismo.
Paranóia - Tem caráter hostil, vivência do delírio com intensidade, tentativa de instigar a ação, procura mobilização do outro em prol de suas exigências e denúncias, delírios confundidos com o mundo.
Parafrenia - Tem início entre os 30 e 50 anos. Possuir caráter afável, delírio abundante e rico, mal sistematizado, possuir uma teoria com a qual se tenta convencer o outro, defesa de idéias absurdas de maneira intelectual, tentativa de explicar com detalhes os delírios, inteligência, humor e tato, fixação no narcisismo primário, agir normalmente a não ser com relação ao assunto que gerou o delírio.

. Análise do Caso Schereber:
Qualquer tentativa de interpretação do Caso Schereber baseando-se na teoria psicanalítica, deve pressupor o desenvolvimento psicossexual e os emcanismos de defesa do ego. O Caso Schereber sendo uma psicose reporta-se a uma regressão ao narcisismo primário que é ponto de fixação no desenvolvimento psicossexual de Schereber. No caso Schereber, mais uma vez encontra-se no terreno familiar paterno. O Sol nada mais é que um símbolo sublimado do pai.

O CASO DORA - Histeria de conversão

Paciente: Dora.
Idade: 18 anos.
Caso: Histeria de conversão.
Sintomas: dispnéia crônica, enxaqueca, acesso de tosse que durava de 3 a 5 semanas, perda da voz, depressão, melancolia, apendicite.
Material: se agrupava em torno de dois sonhos - um relato no meio do tratamento e outro no fim.
Duração: aproximadamente três meses.
Obs.: o tratamento não foi levado até o final previsto, tendo sido interrompido pelo desejo da própria paciente.

. Características de Dora:
Aos oito anos de idade Dora começara a mostrar sintomas neuróticos, foi vítima de dispnéia crônica.
Aos doze anos ela começou a sofrer de dores de cabeça semelhante a enxaquecas e de acesso de tosse nervosa.
Esses sintomas desaparecem ao atingir os dezesseis anos de idade.
Era uma jovem de aparência inteligente e atraente.
Dora fôra encaminhada a Freud pela primeira vez aos dezesseis anos, mostrando-se nesta época, insatisfeita consigho mesma e com a família e procurava evitar contatos sociais.
A melancolia e uma alteração de caráter tinham tornado os traços principais de sua doença.
Aos dezoito anos ela volta para tratamento psicoterapêutico com Freud. Neste momento ela apresentava acesso de tosse que duravam de três a cinco semanas e costumava ter perda completa da voz.
Dora era efetivamente muito ligada ao pai e suas relações com a mãe eram inamistosas. Ela tratava a mãe com superioridade e costumava criticá-la.
Dora teve, desde cedo, conhecimento sobre assuntos sexuais.

. O círculo familiar de Dora:
Seu círculo familiar era composto por seus pais e um irmão um ano e meio mais velho do que ela.
O pai de Dora era a figura dominante desse círculo, dada a sua inteligência e seu caráter.
Era um grande industrial que beirava os cinquenta anos de idade.
Ele também apresentava problemas de saúde. Ficara tuberculoso quando Dora tinha seis anos, sofrera um deslocamento da retina quando ela tinha dez anos e dois anos mais tarde ele apresentou sintomas de paralisia e ligeiras perturbações mentais. Foi quando procurou Freud e com isso, quatro anos mais tarde levou Dora a presença dele.
Há poucas informações sobre a mãe de Dora e estas foram relatadas pelo marido e pela filha.
Essas informações levaram Freud a considerá-la como uma mulher inculta e fútil que concentrou seus intereses nos assuntos domésticos - "psicose doméstica".
Ela não compreendia os interesses dos filhos e passava o dia todo limpando a casa.
O irmão de Dora durante os primeiros anos de vida dela fôra o seu modelo. Mas nos últimos anos suas relações ficaram distantes.
Ele se afastava das discussões da família e quando era obrigado a tomar partido, apoiava a mãe. Aqui pode se verificar a ação do Complexo de Édipo: de um lado a atração sexual unira pai e filha e do outro mãe e filho.
Freud conhecera uma tia de Dora em Viena. Senhora um pouco mais velha que o pai de Dora.
Ela apresentava grave forma de psiconeurose sem quaisquer sintomas caracteristicamente histéricos.
Tivera um casamento infeliz e tempos depois falecera. Logo após sua morte, Dora tivera um ataque do qual se julgara ser apendicite.
O irmão mais velho do pai de Dora era um solteirão hipocondríaco.
As simpatias de Dora sempre penderam para o lado paterno da família.

. O círculo social de Dora:
Seu círculo social era um tanto restrito. Baseava-se num casal amigo da família e de sua governanta.
A gvernanta de Dora era solteira, bem instruída e de idéias avançadas que costumava ler livros sobre assunto sexual e conversava com Dora sobre eles.
A governanta, através de sua experiência, revela a Dora que todos os homens são levianos e indignos de confiançça.
Ela foi despedida a pedido de Dora quando esta percebe que a governanta tinha fingida afeição por ela por na verdade gostar de seu pai.
Frau K. e Herr K. casal amigo da família.
Frau K. cuidara do pai de Dora durante sua longa enfermidade e, também, era amante dele.
Herr K. sempre fôra atencioso com Dora. Costumava passear com ela e lhe dava pequenos presentes.
O casal tinha dois filhos, os quais Dora dava carinho dedicando-lhes atenção quase maternal.
Dora conta a sua mãe que Herr K. fizera-lhe uma proposta amorosa depois de um passeio no lago.
Herr K. nega tudo e conta para os pais da moça que ela só tinha interesse por assuntos sexuais e que costumava ler livros sobre esses assuntos. Disse que ficou sabendo disso porque sua esposa lhe contou.
Num outro momento, na casa de Herr K., ele agarra Dora e a beija nos lábios. Ela tinha nesta época quatorze anos.

O objetivo de Freud:
O objetivo de Freud neste caso foi de demonstrar a íntima estrutura de uma perturbação neurótica e a determinação de seus sintomas.
O objetivo prático era de remover todos os sintomas possíveis e substituí-los por pensamentos conscientes.

Métodos utilizados no tratamento:
Os métodos foram associação livre e técnica de interpretação onírica - neste caso, a interpretação de dois sonhos.
Pelo motivo do tratamento ter sido curto, sendo interrompido por desejo da própria paciente, não houve tempo de Freud trabalhar com o fator da transferência e a corrente homossexual, ginecofílica da paciente durante o tratamento.

. Conclusões de Freud:
A experiência que Dora teve com Herr K. - suas propostas amorosas a ela - forneceram, no caso Dora, o trauma psíquico.
Freud declarou ser este trauma psíquico a condição prévia indispensável para o aparecimento de um distúrbio histérico. Mas que esse trauma é insuficiente para explicar ou determinar a natureza particular dos sintomas.
Freud concluiu que influências ou depressões anteriores a esse trauma tenham ocorridos com um efeito semelhante. Por isso ele volta a infância da moça.

. A cena do beijo:
Quando Dora é beijada por Herr K. ela tem uma violenta sensação de repugnância ao invés de excitação sexual.
Freud mostra isso como um exemplo de inversão de afeto - um dos mais importantes e um dos mais difíceis problemas da psicologia das neuroses.
No caso de Dora, houve também, um deslocamento de sensação - ao invés de sensação genital. Dora foi tomada por uma sensação desagradável que é própria do trato da membrana-mucosa na entrada do tubo digestivo.
A cena deixara outra conseqüência: ela podia sentir na parte superior de seu corpo a pressão do braço de Herr K.
Ela também sentia aversão a passar por qualquer homem em conversa animada ou terna com mulheres.
Freud forma em sua mente a reconstrução da cena. Acredita que durante o abraço do homem, ela sentiu não só o beijo em seus lábios como também a pressão de seu pênis ereto contra seu corpo.
Tal percepção foi dissipada de sua memória, reprimida e substituída pela sensação inocente de pressão sobre seu tórax - deslocamento.
Freud observa três sintomas - a repugnância, a sensação de pressão na parte superior do corpo e a evitação de homens em conversa afetuosa - todos derivados de uma única experiência.
A repugnância é o sintoma de repressão na zona erógena oral, que fora ultracultivado na infância de Dora pelo hábito sensual de sugar.
A pressão do pênis excitou sua zona erógena e por isso foi remetida por um processo de deslocamento para a pressão contra o tórax.
O evitar homens que pudessem estar em estado de excitação segue o mecanismo de uma fobia, sendo sua finalidade salvaguardar a paciente de qualquer reavivamento da percepção reprimida.

. A cena do lago:
Um ou dois dias antes da cena do lago a governanta dos K. contou a Dora que Herr K. fizera-lhe propostas amorosas e dizendo que nada recebia da esposa.
A governanta entrega-se a ele e dias depois deixa de procurá-la. A governanta pede aviso prévio.
As mesmas palavras que Herr K. usou com a governanta foram repetidas a Dora, por isso ela o esbofeteou.
Freud observa que Dora teve esta atitude por ciúme e vingança e também por ter se sentido como uma criada.

. O primeiro sonho:
Foi um sonho que se repetia periodicamente e o qual ela relatou da seguinte forma:
'Uma casa estava em chamas. Meu pai encontrava-se de pé ao lado da minha cama e me despertou. Vesti-me rapidamente. Mamãe queria parar e salvar sua caixa de jóias, mas papai disse: "Recuso-me a deixar que eu e meus filhos sejamos queimados por causa de sua caixa de jóias". Descemos apressadamente as escadas e logo que me encontrei fora da casa despertei.'
Segundo Dora este sonho ocorreu durante os dias que permaneceu na casa dos K. Ela teve o sonho três vezes sucessivamente.
Disse, também, que este sonho ocorreu depois da cena do lago.
Freud percebe que o sonho era uma reação a experiência do lago.
Na verdade Dora desejava sair da casa dos K., pois temia em ceder a Herr K. Por isso ela procurava o amor pelo pai para se proteger contra o seu amor por Herr K.
Segundo Freud, o sonho não é uma intenção representada como realizada, mas um desejo que remonta à infância.
Dora tinha a intenção de fugir da casa de Herr K. e da tentaão exercida por sua presença. Por isso, Dora invoca a afeição infantil pelo pai a fim de se proteger da afeição atual por Herr K.
Esse desejo infantil e inconsciente de substituir Herr K. pelo pai, possuia a potência necessária para a formação de um sonho.
Neste primeiro sonho, Dora tenta mostrar sua intenção de abandonar o tratamento.

. O segundo sonho:
Esse sonho ocorreu algumas semanas depois do primeiro e, após ser discutido, a análise foi interrompida.
'Eu caminhava a esmo por uma cidade desconhecida. As ruas e praças me eram estranhas. Cheguei, então, a uma casa que eu morava, fui para meu quarto e lá encontrei uma carta de mamãe. Esta dizia que, como eu saíra de casa sem o conhecimento de meus pais, ela não desejara escrever-me para contar que papai estava doente. "Agora ele está morto, e, se você quiser, pode voltar". Dirigi-me então para a estação - "Bahnhof" e indaguei umas cem vezes: "Onde fica a estação?" E sempre me respondiam: "A cinco minutos daqui". Vi a estação à minha frente, e nela penetrei, lá encontrando um homem a quem fiz a pergunta. Ele respondeu: "A duas horas e meia daqui". Ele ofereceu-se para acompanhar-me mas recusei e continuei sozinha. Vi a estação à minha frente mas não consegui alcançá-la. Ao mesmo tempo, tive a mesma sensação de ansiedade que se experimenta nos sonhos quando não se consegue mover. A seguir, estava em casa. Devo ter viajado neste meio tempo, mas nada me recordo quanto a isso. Entrei no alojamento do porteiro, e perguntei por nosso apartamento. A criada abriu a porta e respondeu que mamãe e os outros já estavam no cemitério'.
Na sessão seguinte, Dora acrescenta duas coisas ao sonho: 'Eu me via distintamente subindo as escadas', e 'Quando ela respondeu, fui para meu quarto, mas nenhum pouco triste e comecei a ler um grande livro que estava sobre a minha escrivaninha.'
Segundo Freud, este sonho mostra o desejo de vingança de Dora contra seu pai.
Através desse sonho ela pôde realizar o desejo de ler calmamente o que ela queria. E estando seu pai morto ela poderia ler ou amar à vontade.
Através desse sonho, também torna-se possível a compreensão de um dos sintomas de Dora: a apendicite.
Dora conta a Freud que certa vez ouvira um comentário que seu primo estava com apendicite e, então, ela fôra ler na enciclopédia quais eram os sintomas.
Freud concluiu que Dora atribuíra-se a uma doença sobre a qual lera na enciclopédia, e castigara-se por tê-la folheado. Na verdade isto estava associado a outras leituras proibidas, tendo ocorrido neste momento um processo de deslocamento.
Dora diz também a Freud que o ataque de apendicite ocorrera nove meses após a cena do lago.
Freud concluiu com isso que, através desse sintoma, Dora pôde efetuar uma fantasia de parto.
Freud observa Dora, apesar de ter sido caluniada por Frau K., a poupara, enquanto que pelos outros sentia um grande desejo de vingança. Verifica-se então, o amor homossexual de Dora por Frau K.; o pensamento mais profundamente oculto de Dora.
Mas como foi dito anteriormente, Freud não pôde trabalhar com este fator pelo motivo do tratamento ter sido interrompido.

. Complexo de Édipo na Mulher:
Segundo Freud, para a menina o clitóris tem significado homólogo ao pênis do garoto: tendo ele orgulho por ter e a menina inferioridade pela falta.
Esta inferioridade a faz sentir-se frustrada pela mãe, tanto por ela não ter um pênis como também por não tê-la feito como os meninos.
Ocorre, então, uma renúncia ao clitóris-pênis na busca de um novo objeto, o pai.
Estabelece-se uma eqüivalência simbólica filho=pênis, onde o filho dará a mulher a situação de estar completa.
Na menina não há uma motivação para o abandono do Édipo pois, no seu caso, é o conflito da castração que determina sua entrada no Édipo. Não havendo esta motivação para a dissolução do conflito edípico, não há como conseqüências uma formação superegóica de características tão drásticas como acontecem no homem.

. O que é histeria de conversão:
A histeria representa uma classe das neuroses com quadros clínicos muito variados.
Segundo Freud, a sexualidade é o principal fator das neuroses, ou seja, os sintomas da doença nada mais são que a atividade sexual do paciente.
A histeria surge de um certo tipo de identificação e de certos mecanismos - recalcamento -, e no início do conflito edipiano.
Uma das formas sintomáticas da histeria é a histeria de conversão, a qual se caracteriza pela predominância de sintomas de conversão, isto é, o conflito psíquico é simbolizado nos sintomas corporais mais diversos como por exemplo, crise emocional com teatralidade, paralisias histéricas, etc.
Na histeria de conversão uma fantasia reprimida se desprende da psiquê para instalar-se em um ponto qualificado do corpo, uma zona erógena. A libido é "convertida" deste modo em "inervação somática".
O histérico simboliza. Para ele o símbolo se distingue do simlizado - uma paralisia histérica da mão não representa a mão em si, como um distúrbio psicossomático, mas pode se referir a um pênis.

domingo, 2 de novembro de 2008

A PSIQUIATRIA REBELDE DE NISE DA SILVEIRA

A psiquiatria rebelde de Nise da Silveira


A discordância com o estabelecido, as circunstâncias históricas e um tanto de estudo e intuição podem levar à criação de métodos e formas de trabalho que com o tempo tornam-se revolucionários. Nise da Silveira foi alguém que deixou seu nome impresso na história da Psiquiatria por sua coragem intelectual de romper com o estabelecido e pela identificação profunda com o sofrimento humano. Pode-se dizer que essa capacidade de comover-se com o sofrimento alheio foi a chave para superar os limites que definiam os procedimentos psiquiátricos biologizantes.
Nise da Silveira, filha ilustre das Alagoas, estudou medicina na Bahia aos 15 anos, sendo a única aluna mulher na faculdade e uma das primeiras mulheres de seu tempo a se tornar médica, formando-se na turma de 1926 entre 157 homens.
Aos 27 anos foi aprovada num concurso para psiquiatra no Hospital da Praia Vermelha e dois anos depois, durante a Intentona Comunista, foi presa junto com Olga Benário, Beatriz Bandeira, Maria Werneck de Castro e Eugênica Álvaro Moreyra, vindo a se tornar uma das personagens de “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos, também confinado no presídio. Nise contou a Ferreira Gullar que esse episódio desmentiu o que ela aprendera sobre doença mental pelos livros de Psiquiatria. Tendo sido denunciada por uma enfermeira que achara livros marxistas em seu quarto, teve sua prisão decretada. Uma doente que levava café da manhã para ela em seu quarto não ficou indiferente e tentou avisá-la. Mesmo sem entender a dimensão do que se passava, pegou aos muros a enfermeira que havia denunciado a doutora.
De volta ao Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, sete anos mais tarde, Nise começa uma nova briga - a briga com a Psiquiatria. Durante os anos que passou fora do hospital, algumas novas “técnicas” como a lobotomia, o eletrochoque, o choque de insulina e o de cardiazol haviam sido introduzidas no tratamento de pacientes. À rebelde, como foi chamada pelo diretor do hospital, não sobrava lugar nas enfermarias pela discordância com os métodos adotados, sobrando-lhe apenas a terapêutica ocupacional, lugar cuidado por serventes e desprezado pelos médicos cujo objetivo não era a cura. Até sua chegada nesse espaço, os doentes eram usados em atividades como varrer, limpar vasos sanitários ou servir outros doentes. A inovação introduzida pela doutora Nise abriu a eles o caminho da expressão, da criatividade, da emoção de lidar com diferentes materiais de trabalho, o que revolucionou a Psiquiatria. A oposição ao caminho fisiológico levou-a a apostar na possibilidade de o doente, através da expressão simbólica, vencer a desordem interior e reatar os vínculos com a realidade. A criação dos ateliês de pintura e modelagem deu origem ao futuro Museu de Imagens do Inconsciente. Mas as inovações não pararam por aí. Ao encontrar uma cadela abandonada no hospital, entregou-a aos cuidados de um doente, que passou a desenvolver uma atitude de cuidador, o que, segundo Nise da Silveira, levou à sua cura. Em seguida, esse ex-interno veio a se tornar monitor no hospital. Foi possível perceber que o animal reunia qualidades que podiam fazer dele um ponto de referência estável na vida do paciente. Ela dizia que os animais tinham a função de co-terapeutas.
Diante de tamanha complexidade, decidiu ampliar seu conhecimento sobre linguagem da arte e significação das formas simbólicas e decidiu criar, com mais três colegas, um grupo de estudo de psicologia analítica, que teve importantes conseqüências para o desenvolvimento de seu trabalho. A complexidade do universo das formas pictóricas e dos inúmeros fatores que operam na atividade expressiva levou Nise a observar as mandalas produzidas por seus pacientes. Ao escrever a Jung enviando-lhe junto algumas fotografias desse material, o mestre reconheceu que ali estavam formas que manifestavam as forças do inconsciente que buscavam compensar a dissociação esquizofrênica. Mais tarde, Nise escreveu: “Eu me via diante de uma abertura nova para a compreensão da esquizofrenia”.
A criação do Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, e a fundação da Casa das Palmeiras, em 1957, foram conseqüência natural do trabalho realizado na Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro.
No Museu foram guardados quadros e desenhos com o zelo de apontamentos sobre o processo de desenvolvimento de vida dos doentes. Por isso, ainda que muitos desejassem possuir ou comprar, Nise não permitiu que o acervo se dispersasse. A razão dessa negativa estava na importância e finalidade que atribuía àquelas obras, documentos, testemunhos e expressões simbólicas preciosas, que possibilitariam o conhecimento mais profundo do universo interior do esquizofrênico.
Por outro lado, a Casa das Palmeiras veio responder a uma das antigas preocupações com a reintegração de pacientes que recebiam alta, ampliando o método curativo das doenças mentais. Nise imaginou um espaço que funcionasse como uma ponte entre a internação e a vida na sociedade. Destinada à reabilitação de egressos de estabelecimentos psiquiátricos, funcionava como uma etapa intermediária entre a rotina hospitalar desindividualizada e a vida na sociedade e na família, com seus inevitáveis e múltiplos problemas.
Nise deixa muitas lições aprendidas com humildade de seus doentes, monitores e dos vários escritores e pensadores que leu. Citando uma frase que Spinoza lhe disse em um sonho, ela diria que “a loucura é a pior forma de escravidão humana”. E lendo Antonin Artaud - “o ser tem estados inumeráveis e cada vez mais perigosos” -, ela chegou a pensar em substituir a palavra esquizofrenia pela expressão “os inumeráveis estados do ser”. Que depois dela ainda possam ser inumeráveis as formas de lidar com o sofrimento humano.

Kátia Rubio. Psicóloga, conselheira do CRP-SP.
Psi Jornal de Psicologia CRP SP. Novembro /dezembro 1999.

NISE DA SILVEIRA

NISE DA SIVEIRA
Asas da rebeldia

Primeiro frustrou a mãe que queria ver a filha única pianista como ela - Nise da Silveira desafinava. Na faculdade era a única mulher no meio de 157 homens. Virou psiquiatra e continuou desafinando o coro das correntes tradicionais. No Estado Novo foi presa. Saída da prisão, quis dar asas aos loucos. No lugar de eletrochoques, deu papel e tinta aos internos do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio. Conquistou a admiração de Carl Gustav Jung, o fundador da Psicologia Analítica. Passou a estudar mitologia e decifrar nas pinturas dos esquizofrênicos a linguagem universal das imagens. Criou o Museu de Imagens do Inconsciente. Fundou a Casa das Palmeiras, onde doentes são medicados à base de criatividade. E agora aos 93 anos, acaba de lançar um livro sobre uma de suas maiores paixões: gatos.


.Tudo bem?
. Tudo bem mal.
Com essa resposta seca, balde de água fria em qualquer interlocutor, Nise Magalhães da Silveira inicia a entrevista. Depois lança um silêncio que não quer ser interrompido. Quem sabe um pouco do temperamento desta alagoana de metro e meio, psiquiatra e humanista de inteligência excepcional e uma das principais disseminadoras das idéias do analista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) no Brasil, não se intimida com suas primeiras afirmações cortantes. Não se constrange com o proposital silêncio. Reconhece ali um estilo - Nise da Silveira mostra um tesouro para quem se dispuser a cavocar fundo o seu terreno. Tem ouro debaixo das camadas superficiais de indelicadezas, trocadilhos sarcásticos e sinceridade ao mesmo tempo desconcertante e adorável. A doutora Nise, como é chamada por todos, fala exatamente o que pensa. A mulher que começa dizendo que as coisas não vão bem acabou de lançar mais um livro, “Gatos - A Emoção de lidar”, foi homenageada no 1º Encontro Latino-Americano de Psiquiatria Analítica, realizado em abril em Punta Del este, no Uruguai, como introdutora da psicologia de Jung na América Latina. Tem 93 anos e motivos de sobra para estar bem. Mas acabou de perder “um grande amor” - o gato Carlinhos, companheiro de 18 anos, e personagem do último livro. “Tudo bem mal”.
Nise da Silveira passou os últimos meses com o gato Carlinhos aninhado em seu colo e mergulhada no livro. Já escreveu outros quatro, “Jung, Vida e Obra”, de 1980, “Imagens do Inconsciente”, de 1979, “O Mundo das Imagens”, de 1992, e “Carta a Spinoza”, de 1995. Contou com a colaboração da psicóloga Vera Macedo, que passou os originais para o computador (ou “a .d.”, “aparelho diabólico”, segundo Nise). Alguns dos capítulos discutidos e ditados, Vera diz que saíam da cabeça de Nise praticamente com estrutura montada, sem vírgula fora do lugar. “Ela tem garra formidável para o trabalho”, afirma Vera, diretora da Casa das Palmeiras, o primeiro externato do Brasil para doentes mentais, fundado em 1956. O embrião dessa instituição foram os ateliês de arte introduzidos dez anos antes no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro. Traz ainda a impressão digital de Nise o Museu de Imagens do Inconsciente, criado em 1952 e atualmente com cerca de 300 mil trabalhos em seu acervo.
Nise fala devagar e locomove-se em uma cadeira de rodas. É presença aguardada todas as quartas-feiras nas reuniões do grupo de estudos C.G.Jung, que acontecem à noite no andar de cima do seu apartamento no Flamengo (o grupo existe desde 1955 e edita a revista “Quaternário”). Ela é lúcida, tem vivacidade nos olhos e mantém o espírito combativo que se tornou sua marca-registrada. Está revoltada com o decreto proposto pelo prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, para limitar o número de animais que se pode ter dentro de casa. Em 1990, botou no trombone contra a farra do boi, no litoral se Santa Catarina. O seu grupo de estudos fez pressão, produziu um livro sobre aquela prática de tortura e a farra foi proibida. É assim que se manifesta o “anjo duro” (definição que deu a ela o psicanalista Hélio Pellegrino, morto em 1988).
Nise tem um fino senso de humor e a capacidade de divertir-se com o personagem por ela criado. Mostra orgulho em dizer que jamais se filiou a uma instituição psiquiátrica. “É melhor ser um lobo magro e solto do que um cachorro gordo de coleira”. No grupo de estudos, todos gostam de contar parte de sua história. Ela estimula a participação: “Quantos meses mesmo passei na prisão”?. Responde o psiquiatra Agildo Vilaça: “Quinze, chegamos a um consenso”. Tem coisas de sua vida que só sabe a “mulher do saco”, como ela apelidou a advogada Tânia Mitidieri por guardar tudo o que sai a seu respeito.
“O melhor da doutora Nise é a sua capacidade de ouvir o próximo. Como Jung ela teve humildade para aprender com os esquizofrênicos”, diz Franklin Chang, presidente da Casa das Palmeiras. “Quando conversa, é como se o seu centro ativasse o centro da outra pessoa. A doutora traduz co perfeição o ditado zen que diz ‘onde o mestre passa sempre nascem flores’. Hoje ela é um mestre no sentido oriental, as coisas vêm até ela, sem que precise fazer esforço”.

Marie Claire - No último livro dele, “Memórias, Sonhos, Reflexões”, Jung afirmava que, aos 83 anos, sentia que sua vida era a história de um inconsciente que se realizou. A senhora tem hoje a mesma sensação?

Nise da Silveira - Não. Ainda não. Sou uma pessoa em busca da realização do self. E não terei tempo para chegar lá. Mas tive convivência estreita com uma pessoa que, como Jung, realizou o self, o centro ordenador da personalidade. Foi uma de suas principais colaboradoras, a analista Marie-Louise von Franz. Colaborou com Jung em “O Homem e seus Símbolos”. Ela morreu no dia 17 de fevereiro, com 83 anos, sofria do mal de Parkinson. Marie-Louise foi minha amiga e analista. O que me atraia nela era a atitude em relação ao animal. No meu primeiro dia de aula no Instituto C.G.Jung de Zurique, entrei numa sala onde uma senhora dava aula com seu cachorro debaixo da mesa. Era ela, a fundadora do instituto e já uma renomada estudiosa no campo da alquimia. Eu me espantei com a presença de um cão ali, talvez fosse até preconceito. Mas quem é que, numa universidade brasileira, levaria um cachorro para a sala de aula?

MC - Um dos livros dela mais conhecidos no Brasil é “O Caminho dos Sonhos”, que foi baseado em uma pesquisa de mais de 60 mil sonhos.

Nise - Marie-Louise era uma caçadora de sonhos, já quase no fim, foi orientadora de um amigo muito querido, o analista Franklin Chang, presidente da Casa das Palmeiras. Ela tinha se negado a orientar as pesquisas de Chang sobre a relação da alquimia com a psicologia. Estava muito doente. Mas voltou atrás depois que ele contou um sonho em que via no espaço uma pedra repleta de inscrições alquímicas. Ela aceitou então orientá-lo. Ficou claro que o inconsciente tinha se manifestado. E quando o inconsciente se manifesta, não se pode dizer não.

MC - A senhora também dá muita atenção aos sonhos?

Nise - Dou... outro dia recebi em casa a visita de um índio xavante. Ele sonhou com a avó morta. No sonho, ela pedia para ele vir a minha casa só para dizer isso: ‘Venha morar na estrela vermelha’. Achei aquilo tão bonito.

MC - Quais as outras pessoas marcantes em sua vida?

Nise - Se tivesse que escolher alguns nomes... Em primeiro lugar meu pai, Faustino Magalhães Silveira. Ele era um professor de matemática co uma bossa artística muito forte. Lia muito, Machado de Assis, Spinoza. Também escrevia para o jornal do irmão dele. Meu tio foi o fundador do “Jornal de Alagoas”, depois vendido para o Chateaubriand. Meu pai era um homem pouco pragmático, como eu, que até hoje não sei contar dinheiro. Morreu um mês depois que me formei em Medicina em Salvador. Tivemos que vender tudo, até os dois pianos de cauda da minha mãe foram embora. Ela foi morar com o pai e eu sai aloucadamente de Maceió. Fui desembestada para o Rio de Janeiro. Naquela época eu era uma idiota completa. Mas por meio de um anúncio de jornal fiquei conhecendo uma pessoa fabulosa. Estava procurando um quarto barato para alugar, fui parar na casa de Zoila de Abreu Teixeira em Santa Tereza, no Curvelo. Ela tinha cinco filhos, mas acolhia todo mundo. Era um ser extraordinário. Quando fui presa, em 1936, ela se fazia passar por minha irmã para me levar comida. Ela se arriscava, trazia bilhetes de Mário {o médico sanitarista Mario da Silveira, marido e primo de Nise, morto em 1986} costurados na bainha da saia. Zoila participava do “Socorro Vermelho”, organização de solidariedade aos presos políticos. Meu pai e ela foram pessoas muito marcantes para mim.

MC - E Jung?

Nise - Ah, mas Jung é superterreno. O encontro com Jung, com a psicologia junguiana, foi sem dúvida um dos mais importantes na minha vida. O primeiro contato foi por meio de uma carta enviada em 1954. Eu estava intrigada com os círculos pintados pelos esquizofrênicos que freqüentavam o ateliê de Pintura do Engenho de Dentro. Esquizo, no grego, quer dizer separado, partido. Mas os doentes estavam pintando formas circulares ou tendendo ao círculo. Fiquei intrigada. Como uma pessoa, assim em pedaços, poderia estar reproduzindo tão bem um símbolo da unidade? Mandei fotografias para Jung e perguntei se aqueles círculos seriam mandalas. Recebi uma resposta da sua secretária dizendo que Jung agradecia as mandalas. Portanto, eram mesmo mandalas. E o que elas significavam? De modo simples, o processo de reestruturação da psique dos esquizofrênicos. O inconsciente profundo estava mandando um símbolo da unidade para reconstruir a personalidade cindida. As mandalas simbolizam o potencial autocurativo dos doentes. Foi assim que vi um caminho novo para o estudo da esquizofrenia.

MC - O quadro que a senhora tem na parede, um dedo apontando para uma mandala, é desse período?

Nise – É a ampliação do indicador de Jung apontando para uma mandala, que foi feita por um doente do Brasil. A foto foi batida pelo pintor Almir Mavignier, o meu primeiro colaborador no ateliê de pintura, por ocasião de uma exposição de produções plásticas de esquizofrênicos realizada paralelamente ao 2º Congresso Internacional de Psiquiatria. Tem a assinatura de Jung, preciosa, logo depois ele morria. Conheci Jung em 1957. A ele devo todos os meus estudos de mitologia, “a linguagem do inconsciente”. Quando fui visitá-lo em sua casa de campo, confessei que me faltavam elementos para ir mais longe com o meu trabalho no Engenho de Dentro. Ele me perguntou: “Você estuda mitologia”? Eu nunca tinha estudado mitos, até hoje não se ensinam mitos no Brasil. Jung disse que sem conhecer mitologia eu não compreenderia os delírios dos doentes e nem o significado das imagens por eles pintadas. Aprendi uma grande lição.

MC - Qual o primeiro mito que a senhora decifrou entre os internos?

Nise - O tema mítico de Dafne. Ele estava sendo revivido por Adelina {personagem do livro “Imagens do Inconsciente”}. Adelina, moça simples, tinha uma mãe dominadora. Ela proibiu a aproximação da filha com o primeiro homem de sua vida. Adelina ficou muito triste, depois parecia conformada, mas era só o começo da cisão. Analisando as pinturas que ela fazia encontrei paralelos com o mito grego em que a ninfa Dafne foge da paixão de Apolo para ficar perto da mãe, a Terra. A mãe a transforma numa planta. Adelina não soube se desvincular da mãe, tinha a identidade confundida com a figura materna. Chegou a estrangular uma gata, atitude que pode ser interpretada com o aniquilamento dos instintos femininos. Pintava com freqüência uma mulher saindo dos galhos de uma árvore. Adelina dizia que queria ser uma flor.

MC - A biografia que a senhora escreveu sobre Jung já está na 16ª edição e até hoje é uma referência para estudantes de psicologia.

Nise - É um livro introdutório, despretensioso. Não gosto do termo biografia, quem se mete a escrever sobre uma pessoa modifica o que ela viveu. Toda biografia mente. O autor não fica apagado.

MC - Tanto que num dado momento daquele livro a senhora aconselha o leitor a trocar os manuais de psicologia por clássicos da literatura.

Nise - Quanto atrevimento! Eu sou atrevida. Mas é verdade. Seria mais proveitoso substituir certos trabalhos de psiquiatria pela leitura de “Em busca do Tempo Perdido”, de Proust. Ou pelo menos livros de Machado de Assis, meu primeiro grande mestre e psicologia. Eles analisam com mais profundidade a alma humana.

MC - A senhora acabou inventando uma nova gramática na psiquiatria brasileira. E nunca escondeu a implicância com termos técnicos...

Nise - Como terapêutica ocupacional, expressão pesada como o tijolo. Prefiro dizer “emoção de lidar”, usada por um dos clientes da Casa das Palmeiras, Luiz Carlos. Numa das atividades ocupacionais, ele manipulava uma lã e dizia que era macia, gostosa. Dizia que sentia “emoção de lidar” com o material. Pronto, adotei. No subtítulo do meu último livro uso a expressão. Tanta coisa boa acontece até hoje lá na Casa das Palmeiras. É um espaço muito aberto. Ninguém usa crachá, jaleco. Os doentes se quiserem saem para tomar cafezinho. No final d dia, voltam para suas famílias. Falo muito em “afeto catalisador” em meus trabalhos, metáfora química para a relação de afeto entre terapeuta e cliente. Esse tipo de amor, que vem junto com liberdade criativa, ajuda muito na cura. Outro termo que implico é paciente. Paciente está ligado a passivo, é um ser que requer tutela. Prefiro chamá-lo pelo nome, ou dizer cliente. Já pensei em substituir a palavra esquizofrenia pela expressão “os inumeráveis estados do ser”. O teatrólogo francês Antonin Artaud, que passou grane parte da vida em hospícios, dizia: “O ser tem estados inumeráveis e cada vez mais perigosos”. Veja como é forte a definição de esquizofrenia feita por um interno: “doença em que o coração fica sofrendo mais do que os outros órgãos. Por isso, fica maior e estoura”.

MC - Como foi o tempo que a senhora passou na prisão?

Nise - Sabe que foi um tempo bom? Eu me sentia bem convivendo com aquela gente. Aprendi tanta coisa na “sala 4” {cárcere das presas políticas, parte do Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção, na rua Frei Caneca}. Convivi com pessoas maravilhosas, a “Sala 4” era uma caldeira de emoções. Maria Werneck, Olga Benário Prestes, Eneida Morais. Presenciei cenas terríveis, como quando entregaram Olga Prestes. Ela estava grávida, disseram que iam transferí-la para uma maternidade. Foi de navio para a Alemanha, para ser torturada e morta. Fizemos greve de fome. Elisa Berger, a Sabo, ocupava uma cama junto à minha e acordava de madrugada, no mesmo horário em que havia sido submetida a sessões de tortura. Eu a abraçava, tentava acalmá-la. Ferreira Gulalar e Elvira falam disso nos livros que escreveram {“A tranca do Curvelo”, de Elvira Bezerra, e “Nise da Silveira - Retratos do Rio”, de Ferreira Gullar}. Bem, eu passei uns 11 ou 15 meses na prisão. Não foi tempo perdido, aproveitei para ler toda a obra de Proust e de Freud.

MC - Por que a senhora foi presa?

Nise - E eu sei? {faz uma longa pausa e depois retoma}. Eu tinha contato com o Partido Comunista, mas não era uma ativista. Quem me denunciou foi uma enfermeira que encontrou livros socialistas na minha mesa, junto com outros de Proust, Oscar Wilde. Eu tinha passado em um concurso para médico psiquiatra, deixei o Curvelo e fui morar no hospital {antigo Hospital de Assistência a Psicopatas, Hospital da Praia Vermelha}. Fui presa sem processo, acusada de comunista, mas não existia nenhum processo contra mim. Eu era da turma da Zoila e do seu marido {Álvaro Floriano Teixeira, fundador do Bloco Operário Camponês do Espírito Santo}. Andava com gente como Otávio Brandão, comunista feroz que achava Tolstoi manso, mas no fundo era um romântico enrustido. Convivi muito com Laura Brandão, mulher de Otávio. Ela tinha uma personalidade fascinante, recitava poemas de Castro Alves nas portas de fábrica. Depois foram deportadas para a Alemanha. No episódio da prisão, o bonito foi a participação de uma esquizofrênica, que me levava café da manhã no hospital. Ela deu uma surra que quase matou a enfermeira que me denunciou. Mais tarde o diretor do hospital {Valdomiro Pires} que tinha chamado a Polícia para me levar ao DOPS, se atirou da janela do oitavo andar, mas deixa quieto, isso é outra história triste. Só tomei conhecimento da atitude da esquizofrênica depois de sair da prisão. Fiquei pensando... Como os autores daqueles livros de psiquiatria são capazes de dizer que os esquizofrênicos têm atividade apagada? Cadê o tal do embotamento afetivo?

MC - Foi na prisão que encontrou o escritor Graciliano Ramos?

Nise - Eu não conhecia Graciliano Ramos de Alagoas. Ele era do interior, prefeito de Palmeira dos Índios. Foi quando fez o relatório da prefeitura que descobriram que ele era um grande escritor. Graciliano também foi preso sem processo, suspeito de colaborar com a Aliança Nacional Libertadora. Não assisti ao filme sobre o período que passamos na prisão {“Memórias do Cárcere”, de Nelson Pereira dos Santos, de 1984}, mas o livro eu li.

MC - No livro a senhora foi descrita como “tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a escusar-se de tomar espaço”.

Nise - Tímida eu não era, não sou. Introvertida, sim. Mas quando me aborreço posso soltar os cachorros. Devo gostar de ser rebelde, eu me identifico com os marginais.

MC - Sua rebeldia já nasceu com o nome, uma homenagem à musa do poeta da Inconfidência, Cláudio Manuel da Costa.

Nise - Fui filha única, fazia o que bem entendia. Sempre tive natureza rebelde. Decepcionei a minha mãe que queria que fosse pianista como ela. Eu tinha dedos longos, mas ouvido de chumbo. Na faculdade de Medicina, fui a única mulher de uma turma de 157 homens. Mas começaram com essa história de que eu era rebelde por causa da minha resistência com o eletrochoque {na época em que reassumiu o serviço público, no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, em 1946}. Eu não suportava aquelas técnicas novas, eletrochoque, lobotomia, choque de insulina. Associava tudo com os métodos de tortura policial do Estado Novo. Pedi então para o diretor do hospital me transferir para outro lugar e ele me botou no Serviço de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico, que não tinha prestígio. Abri salas de costura, modelagem, pintura. Uns colegas freudianos diziam que eu mandava os doentes fazer garatujas. Mas aqueles “rabiscos” eram a prova de que a criatividade promove uma rearrumação no mundo do esquizofrênico. O que os doentes produziam nos ateliês revelava aquilo que eles não conseguiam expressar de forma lógica com a palavra.

MC - É verdade que a senhora se apresentou como uma estagiária no dia seguinte em que foi compulsoriamente aposentada do serviço público?

Nise - Eu fui lá e falei: “Sou a mais nova estagiária do Museu de Imagens do Inconsciente, junto com outros jovens.

MC - De psiquiatra a senhora passou a trabalhar com a arte.

Nise - Eu nunca trabalhei com arte. Eu brigo com você se escrever isso. A palavra arte tem conotação de valor, de estética. Para mim isso não importa. a pintura dos doentes é uma linguagem do inconsciente. Não tem nada a ver com arte - embora às vezes a arte apareça. Curioso que quando estava presa tinha muito medo de umburrecer, de perder a capacidade de me aprofundar. Mas vi um doente internado há 23 anos e só carregando roupa suja na enfermaria, fazer quadros de tanta beleza... Um de seus trabalhos fez parte da exposição de inauguração do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1949. Era Emygdio de Barros, hoje considerado um gênio da pintura brasileira. Foi escolhido para a exposição por um curador francês, Leon Degand, a pedido de Francisco Matarazzo Sobrinho, o Cicillo. Como é impressionante o fenômeno da conservação da criatividade... Cicillo se encantou e manifestou o desejo de comprar o quadro. E eu respondi com um final de conto de fadas: “nem por ouro, nem por prata, nem por sangue de Aragão”. Agora estão querendo de novo vender os quadros do Museu de Imagens do Inconsciente. Tenha dó, aquilo é um acervo científico, se sai alguma peça não dá mais para acompanhar a evolução dos casos em série. Interrompe-se a leitura do processo do Inconsciente.

MC - Mas a senhora sempre foi muito ligada às artes?

Nise - Tive grandes amigos artistas. O inconsciente é a mesma fonte que nutre as pinturas dos artistas e dos doentes. Só que o artista em geral tem a passagem de volta à realidade. Este quadro que você está vendo aí {um retrato de Nise} Portinari mandou um rapaz entregar em casa. Chegou ainda pingando tinta. Eu nunca posei para Portinari, o chapéu, o vestido, tudo é fantasia da cabeça dele. Sabe que um diretor do Pedro II, o doutor Carvalho, espalhou que eu levava de noite quadros de Portinari e de Di Cavalcante para o museu de Imagens do Inconsciente e dizia que eram pintados pelos doentes?

MC - Quando percebeu que os gatos e cachorros poderiam ter um papel importante no tratamento?

Nise - Não foi uma coisa assim sistemática. Sempre gostei de animais. Um dia apareceu uma cadelinha no Centro Psiquiátrico Pedro II e notei que um interno, Alfredo, ficou tomado de amor. Sugeri um nome a ela: Caralâmpia, o meu apelido em “Memórias do Cárcere”. Alfredo foi melhorando graças ao tratamento de Caralâmpia e tornou-se monitor de encadernação. Foi uma batalha tremenda deixar lá dentro os animais que iam sendo adotados pelos doentes. Ridicularizavam, sabotavam. Alguns bichos foram envenenados. O bicho-gente é o mais terrível de todos. Quando mataram um cão que estava muito ligado a um doente, um psicanalista americano, o professor Boris Levinson, comentou: “cortaram a única ‘line-life’ {elo de vida} que ele tinha com o mundo”. Levinson chamava os bichos que ajudavam no tratamento de “co-terapeutas”. Adotei o termo. Os cachorros têm afetividade estável, podem ajudar no tratamento. Já vi pessoas incapazes de organizar frases, usando estruturas verbais lógicas para conversar com cachorros. Já os gatos são excelentes companheiros de estudo, têm poder de concentração e uma percepção incrível.

MC - Pela primeira vez a senhora não tem gatos em casa.

Nise - Os gatos despertam grandes amores. Eu perdi o meu último, Carlinhos. Estou sofrendo, tenho chorado todos os dias. Eu sou de me apegar. Várias pessoas já me ofereceram outro. Mas não se repõe um grande amor assim. Por enquanto não quero. O gato ganhou a falsa fama de não ser amoroso, mas é tão amoroso. O que ele tem é a independência, a liberdade. Eu gosto do som dessa palavra, acho que é a palavra que mais gosto de ouvir, liberdade.

Lina de Albuquerque. Revista Marie Claire. pg. 34 a 40.

FREUD

Sigismund Scholomo Freud (Sigmund Freud ou somente Freud) judeu austríaco, nasceu aos 06 de maio de 1856 na Cidade de Freiberg na Morávia (atual Príbor-República Tcheca) e morreu em Londres aos 23 setembro de 1939 as 03:00h com 83 anos (instruiu sua filha, Ana Freud a solicitar ao seu médico particular que lhe aplicasse uma dose letal de morfina para acabar com o seu sofrimento, após passar por mais de trinta cirurgias para retirada de um câncer na boca.
Formou-se em Medicina (Neurologia) em 1881 na Universidade de Viena, especializando-se em
Psiquiatria. Começa clinicar atendendo pessoas com problemas “nervosos”. Em 1885 recebe uma bolsa de estudos para Paris onde trabalhou com Jean Martin Charcot, Psiquiatra que tratava de histerias utilizando a hipnose.
Volta a Viena em 1886, traz a nova técnica e trabalha com Josef Breuer outro famoso médico e cientista.
Ana O (Berta Papenheim), foi a principal cliente de Breuer e posteriormente de Freud.
Ana O. sofria com distúrbios somáticos que a faziam sofrer muito. Tinha paralisias com contratura
muscular, inibições, dificuldades de pensamentos, períodos de ausência.
Os sintomas surgiram durante a enfermidade do pai, quando ela havia tido pensamentos e afetos que se referiam ao desejo que o pai morresse. As idéias e sentimentos foram reprimidos e substituídos pelos sintomas. Em estado de vigília Ana O. não era capaz de indicar a origem dos sintomas mas sob efeito
da hipnose, relatava a origem de cada um deles que estavam ligados ao episódio da doença do pai.
Com a rememoração destas cenas e das vivências, os sintomas desapareciam.
Isso não ocorria de forma mágica, mas devido a liberação das reações emotivas associadas aos momentos traumáticos.
Breuer chamou de Método Catártico o tratamento que possibilita a liberação de afetos e emoções que não puderam ser expressos na ocasião da vivência desagradável ou dolorosa.
Esta liberação de afetos (amor ou ódio) leva a eliminação dos sintomas.
“Qual poderia ser a causa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e exterior?”.
Perguntava-se Freud. O esquecido era sempre algo penoso para o indivíduo, e era exatamente por isso que havia sido esquecido.
Freud abandona as perguntas no trabalho terapêutico e percebe que os clientes ficam embaraçados envergonhados com as idéias que lhes ocorriam.
Denominou Resistência a força psíquica que se opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento.
Chamou de Repressão o processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência, uma idéia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem do sintoma. Estes conteúdos psíquicos “localizam-se” no inconsciente.
Então, Freud monta a 1ª Teoria ( tópica ) Sobre o Funcionamento do Aparelho Psíquico :

- INCONSCIENTE: (amoral, atemporal) conteúdos reprimidos, sem acesso ao consciente pela ação da censura.
- PRÉ CONSCIENTE : (arquivo) conteúdos acessíveis à consciência; não está na consciência agora
mas no momento seguinte pode estar.
- CONSCIENTE: (aqui e agora) percepção do mundo exterior e interior.

Freud na prática clínica sobre as causas e funcionamento das neuroses descobriu que a maioria de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a conflitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos, isto é, que na vida infantil estavam as experiências de caráter traumático, reprimidas que se configuravam como origem dos sintomas atuais, confirmando-se desta forma, que as ocorrências deste período de vida deixam marcas profundas na estrutura da personalidade.
Estas descobertas colocam a sexualidade no centro da vida psíquica e é postulada a existência da sexualidade infantil.
Estas afirmações tiveram profundas repercussões na sociedade puritana da época (era vitoriana), pela concepção vigente da infância como *inocente*.
Os principais aspectos destas descobertas são:
- a função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento, e não só à partir da puberdade como afirmavam as idéias dominantes .
- o período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexualidade adulta, onde
as funções de reprodução e de obtenção de prazer estão associadas , tanto no homem como na mulher.
Estas afirmações contrariavam as idéias predominantes de que sexo estava associado exclusivamente à reprodução.
- Libido : energia dos instintos sexuais e só deles. Palavra feminina que significa prazer, tesão.

No processo de desenvolvimento psicossexual, o indivíduo tem , nos primeiros tempos de vida, a função
sexual ligada à sobrevivência e portanto o prazer é encontrado no próprio corpo. O corpo é erotizado,
isto é, as excitações sexuais estão localizadas em partes do corpo e há um desenvolvimento progressivo
que levou Freud à postular as FASES DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL em:


- Fase Oral: (0 meses á 18 meses), libido centrada na região bucal – boca, lábios, dentes, gengivas,
maxilares. O prazer está em sugar. Os traços que trazemos até hoje é o prazer que sentimos ao nos
alimentar, morder, chupar, beijar. A criança aprende a reconhecer o rosto materno quando está
amamentando. Entre o 5º e o 8º mês pode ocorrer da criança começar a estranhar pessoas que não se
assemelhem aos seus pais. É o que se denominou Angústia do oitavo mês.
Nessa fase mãe e bebê mantêm um relacionamento praticamente simbiótico, onde é totalmente dependente da mãe para se alimentar e o estranho ao chegar representa o sumiço de sua fonte de alimentação que é o seio materno (mãe).
Qualquer que seja as dificuldades apresentadas nessa fase para a criança, deixará marcas profundas em sua personalidade. Crianças não alimentadas imediatamente ao nascer, a fome se registrará em todas as células de seu corpo e na sua psiquê também. De nada adiantará posteriormente dar um boi ao dia para esta criança se alimentar que isto não a satisfará. Terá todas as chances de ser um adulto extremamente invejoso, ciumento, obeso, ou pelo contrário magro demais, poderá desenvolver o alcoolismo podendo ainda desenvolver traços anoréxicos, bulímicos. É o típico vampiro que suga toda energia do ambiente ou das pessoas que estão ao seu redor (que começam a bocejar sentindo-se muito fracos).
Essa pessoa se julga credora do mundo.
A relação entre alcoolismo e obesidade reside na boca que é a porta de entrada tanto de líquidos quanto de sólidos.



- Fase anal: (18 meses a 3/ 4 anos), a libido diminui de intensidade na região bucal e centraliza-se na
região do ânus. O prazer está em reter ou liberar os esfíncteres (xixi e cocô ). O prazer em manipular os
esfíncteres relaciona-se com o prazer que a criança tem em controlar seus pais. É no segundo ano de vida
e não se aconselha que seja antes, que deve-se retirar as fraldas da criança a não ser que por si só ela a
abandone. Os traumas decorrentes nessa fase acarretam posteriormente na criança dois tipos de caráter
que são o retentivo e o expulsivo .
- Caráter retentivo, terá aquele que reteve os esfíncteres na tentativa de controlar seus pais e estes não
souberam como lhe dar com esta situação. Terá maiores probabilidades de enriquecer, é chamado de
sovina . Pode ainda manifestar conteúdos homossexuais.
- Caráter expulsivo, possuirá aquela criança que não conseguia reter seus esfíncteres também com
intuito de controlar as figuras parentais . Cabe aos pais quando da liberação dos esfíncteres por parte da
criança em hipótese alguma criticar o seu produto. É tudo o de mais puro e melhor que ela pode lhes
oferecer. Não conseguirá manter relacionamentos afetivos duradouros, não conseguirá
deter o pátrio poder.
Poderá mesmo desenvolver o alcoolismo, a drogadição, a mendicância.
Nessa fase também (2 anos mais ou menos ) tem início no desenvolvimento da
criança, um processo denominado Complexo de Édipo, sobre o qual falarei mais
para frente.
- Fase Fálica: (3/4 anos a 7 anos ) é a fase da descoberta das diferenças sexuais . A libido agora
centrada no falus ( pênis -clitóris ) . A região encontra-se erotizada e para aliviar o estado de tensão o
menino manterá a mão por dentro da cueca se manipulando ao passo que a menina procura ficar
encostada em objetos que possuam quina ou ainda ficar-se roçando entre as pernas dos familiares dando
preferência ao pai. Os pais devem ficar atentos para que a criança não venha a se ferir com tais atitudes.
É comum o menino se masturbar as escondidas e as meninas coçarem a região que apresenta-se
aquecida.
A mãe não deverá estranhar se no momento de banhar seu filho, ele ficar excitado.
Deve-se levar em conta que tais atitudes se devem a erotização dessa região e aos pais cabe não se
escandalizar.
Que atitude tomar diante de tais comportamentos?
Espancar a criança sabe-se que não resolve, só lhe chamaria mais atenção sobre o fato, incentivar é
menos saudável ainda. Deve-se então permitir que a criança pratique o ato por um ou dois minutinhos e
desviar-lhe a atenção, dando alguma tarefa para que possa preencher o tempo ocioso. Solicite a ajuda
dela para algumas tarefas que possa desempenhar e ela logo abandonará o ato.
Algumas frases que não devem ser ditas de forma alguma:
-“vou cortar o seu pipi” , “isso aí só serve prá fazer xixi” , “vou passar pimenta” , “deus castiga”,
“isso é pecado”, “isso é feio”, etc. Lembrem-se de sua infância, tudo o que era proibido era mais
gostoso.
Os distúrbios nessa fase propicia o caráter fálico.
A mulher fálica geralmente é bem sucedida profissionalmente, recebe melhores salários que o parceiro ,
detém o pátrio poder e apresenta-se um tanto masculinizada. A palavra final sobre todos os assuntos
geralmente é sua. Exerce uma ascenção muito grande sobre o cônjuge.
Já a figura masculina prima pelo seu oposto. São homens geralmente impotentes, sem ascendência sobre
os filhos que lhe tratam com indiferença, é subserviente, recebe salários inferiores ao da parceira,
profissionalmente não é realizado, suas atitudes são apáticas.
Ainda durante essa fase a criança passa por uma fase chamada de Complexo de Édipo.

Segundo a Mitologia Grega, Édipo era filho dos reis Laios e Jocasta e segundo previsões dos oráculos, estava destinado à ele destronar, matar o pai e casar-se com a mãe. Laios, logo após o nascimento de Édipo mandou que o levassem e o matassem. Os assassinos amarraram Édipo (em grego significa–o dos pés inchados) pelos pés e o dependuraram numa árvore para que lá morresse. Um rei e uma rainha passando pelo local salvaram-lhe a vida e o adotaram como filho, porém não esconderam que não eram seus legítimos pais.
Quando tornou-se adulto, Édipo partiu em busca dos seus verdadeiros pais. Pelo caminho deparou-se com uma comitiva que vinha em sentido contrário. Um velho saltou-lhe à frente exigindo que lhe desse passagem. Após o desentendimento, Édipo matou o velho e continuou sua trajetória.
Chega numa cidade que está sendo assolada por uma carnificina. A Esfingie (ser meio homem meio leão ) devorava a todos que não conseguia desvendar o seguinte enigma:
O que é que de manhã tem quatro pés, ao meio dia tem dois pés e de noite tem três pés. Porém é durante a manhã quando tem quatro pés, que se encontra mais fragilizado ?
Édipo respondeu: -“É o homem, engatinha quando é bebê, na mocidade anda normalmente e na velhice se utiliza de uma bengala”. A resposta estava correta e a Esfingie se matou. A cidade em agradecimento fez de Édipo rei e deram-lhe por esposa Jocasta que estava viúva. Tiveram três ou quatro filhas.
Mais tarde porém Édipo soube que o velho que matara durante o trajeto era Laios. Sabendo disso Jocasta suicidou-se. Édipo arrancou seus olhos e começou a vagar pelo mundo em companhia de uma de suas filhas.
A profecia então se cumpriu.
Todas as crianças passam durante a fase anal e a fase fálica pelo que chamamos de Complexo de Édipo.
No Complexo de Édipo, o menino se aproxima da figura materna e afasta-se da figura paterna.
A menina se aproxima da figura paterna e afasta-se da figura materna.
É uma relação de amor que a criança tem para com o genitor do sexo oposto e um ódio não menos fundado pelo genitor de sexo semelhante.
O menino sentindo-se atraído pela mãe, deseja-a e o pai que é tido como rival deve desaparecer, morrer, para que os desejos do menino sejam realizados. É uma fase de extrema curiosidade e o menino vai se servir dos buracos da fechadura da porta e do cesto de lixo no banheiro para matar sua curiosidade.
Não muito raro, no cesto de lixo no banheiro o menino encontra um absorvente utilizado e imagina que o pai está machucando a mãe com seu órgão que é muito grande. Isso faz com que o ódio pelo pai aumente de intensidade e faz com que o menino se chegue mais ainda á mãe. É comum então, o menino começar a se trajar com as roupas do pai para tentar conseguir a atenção da mãe. O que está ocorrendo é que através da imitação o menino estará se identificando com a figura masculina (o que é esperado). O menino passa a usar os sapatos do pai, sua maleta, seu chapéu, seu terno etc. na intenção de conseguir as benesses da mãe.
Surge o pai como interventor dessa relação e o menino por medo de ser castrado, abandona a figura materna pelos prazeres que o mundo oferece. É exatamente a época em que o menino começa a ir prá escolinha.
Com a menina o processo apesar de ser o mesmo ocorre um pouco diferente. Tomada de amores por seu pai a menina rivaliza-se com a mão desejando seu afastamento ou morte, para realizar seus intentos.
Na intenção de ser a namoradinha do papai, a menina se utiliza das roupas, sapatos, bolsas, batons, perfumes, chapéus, colares, anéis etc. de sua mãe para ficar mais agradável aos olhos do pai. Nesse ato de imitação está ocorrendo o processo de identificação da menina com a figura feminina (o que e esperado).
Porém surge a mão intervindo nessa relação. Mas como a menina não teme a castração, uma vez que não há o que castrar, ela não abandona tão facilmente a figura paterna. Na impossibilidade de pertencer ao pai, ela deseja então algo dele – um filho. Mais uma vez impossibilitada de realizar seu desejo, terá de se contentar em gerar um filho de outro homem. (segundo alguns teóricos, a mulher só se realizaria como mulher após conceber). A menina então abandona a figura paterna e parte em busca dos prazeres que o mundo lhe oferece.
Ainda com relação a descoberta das diferenças sexuais, a menina ao se deparar com um menino percebe que lhe falta alguma coisa. Não consegue imaginar o menino como tendo algo a mais é sim ela que tem algo de menos. Não podemos esquecer que na nossa sociedade pênis-significa poder e é o que ela não tem.
Dirão os teóricos novamente que a sensação de quem tem algo de menos em relação ao outro faz surgir a sensação de inveja. Então todas as mulheres sentiriam inveja dos homens neste sentido.
Inconformada com esse sentimento de impotência de não poder urinar longe, ou de precisar sentar para fazer xixi, a menina corre para sua mãe e a questiona. Percebe que sua mãe é semelhante à ela nesse aspecto, fazendo surgir na menina uma raiva muito grande por sua mãe tê-la feito aleijada.

- Período de Latência: (7 anos a 11/12 anos) é um período de relativo descanso . A libido deixa de
percorrer as regiões do corpo. A criança desiste das figuras parentais para se dedicarem à conquista do
mundo. Coincide com a entrada da criança na escola e a libido é transferida para a figura do professor
ou professora.
Há muita dificuldade em abandonar os benesses que os pais propiciavam. O novo é assustador e a
criança pode desenvolver algumas atitudes como o choro, a birra, a apatia ou até mesmo apresentar
problemas psicossomáticos para que os pais comovidos com seu sofrimento deixem-na ficar em casa.
É uma fase em que as opiniões opostas dos coleguinhas de classe vão entrar em choque com as suas,
nem todos os seus desejos serão realizados e a criança aprende a reconhecer o outro. É uma fase de
socialização.

- Fase Genital: (11/12 anos a ...) a libido retorna ao corpo agora na região genital que praticamente já
está desenvolvida . É o período em que o rapaz volta sua atenção para a moça e a moça volta sua atenção
para o rapaz ( isso evidentemente se durante o desenvolvimento psicossexual os distúrbios não foram
percebidos como sendo muito traumáticos ).
- Pulsão: estado de tensão que visa através de um objeto a supressão deste estado.
Eros – pulsão de vida (sexuais e de autoconservação).
Tanatos – pulsão de morte (pode ser autodestrutiva, ou estar dirigida para fora e se manifestar como
pulsão agressiva ou destrutiva).

Entre 1920 e 1923, Freud remodela a teoria do aparelho psíquico para:
- ID - sede do prazer, é regido pelo princípio do prazer (energia psíquica onde estão as pulsões).
- EGO - sede da realidade, é regido pelo princípio da realidade (regulador, mediador, mantém o
equilíbrio entre o Id e o Superego).
- SUPEREGO - valores morais, religiosos, juízo, conceitos, (origina-se do Complexo de Édipo
a partir da internalização das proibições, limites e da autoridade).
MECANISMOS DE DEFESA DO EGO:
(recalque, formação reativa, regressão, projeção, racionalização, sublimação etc)

Nosso desconhecimento portanto nossas dúvidas sobre a nossa sexualidade são inúmeras .
Apesar de ser a nossa sexualidade, ela nos aparece como algo incógnito, cheio de preconceitos, de moralismos, de dúvidas e informações incorretas. Este paradoxo – do desconhecimento de algo tão nosso – tem feito do sexo um tabu.
Forças reacionárias têm barrado a inclusão da disciplina Educação Sexual nos currículos escolares.
Consideram que não é assunto de escola, ou acreditam que educação sexual, se restrinja às informações da fisiologia e anatomia do corpo e mecanismo de reprodução.
Sexo é mais do que isso, sexo é prazer, sexo é desejo e é também proibição, perigo, erro e culpa.
A Psicologia poderá responder em parte às questões colocadas acerca da sexualidade. De acordo com a Psicologia poderemos dizer o que é o prazer, que sentimentos vêm junto com a sexualidade, e mesmo qual a diferença entre sexo e sexualidade.
Outras áreas também poderão responder sobre a sexualidade tais como a medicina, biologia, antropologia, história, sociologia e atualmente uma nova área que é a sexologia.
Sexo é instinto?
Não é bem assim. É instintivo entre os animais irracionais. Se uma cadela entrar no cio, o cachorro não vai recusá-la . Ele lutará com outros pretendentes, e o mais forte vencerá e a cadela não o recusará.
Isso não ocorre com o homem.
A escolha do parceiro sexual não é feita instintivamente, mas tem um componente racional que avalia a escolha. Pouca coisa resta no homem de caráter instintivo e a escolha sexual é feita mais pelo prazer que ela nos dá individualmente do que pela pressão da necessidade de reproduzir a espécie. Então o dado fundamental para a sexualidade humana passa a ser o prazer.
Como imaginar que uma criança de 2,3 anos ou ainda recém nascida tem vida sexual?
Quando nasce, a criança está preparada para lutar pela sobrevivência, ao sugar o leite materno auxiliada por um reflexo conhecido como Reflexo de Sucção.
Quando o reflexo de sucção desaparece a criança aprende que o contato do seu próprio dedo com a boca causa prazer. Nesse caso, o prazer não está ligado à sobrevivência mas é apenas o prazer pelo prazer que Freud chamaria de Erotismo (diz que é a primeira manifestação da sexualidade).
No decorrer de nossas vidas, investimos libido (energia sexual) em diferentes objetos que nos dão prazer.
O outro a quem amamos, é um objeto onde investimos libido.
Por quê investimos libido naquele objeto e não em outro?
A resposta é difícil, pois os fatores inconscientes envolvidos nessa escolha são muitos e diferem de pessoa para pessoa.
Para o menino pode ser alguém que se assemelhe a figura materna e para a menina a figura paterna, pode ser alguém que possua algo que se deseja e que não se possui, ou alguém que possua o que a gente possui e assim ama-se a si próprio no outro.
“Não é todo dia que encontramos aquilo que é a imagem exata do nosso desejo. Mas quando a gente encontra, sabe identificar” (Jacques Lacan).
Procuramos nos objetos do mundo algo que se assemelhe a ele. Quando o identificamos, investimos libido nele – nós o amamos.
- Amizade: é um investimento de libido que foi inibida em sua finalidade genital. O amigo, este que pode estar aí ao seu lado neste instante, é um objeto onde investimos libido.
Com isto digo que toda relação afetiva, seja ela de amor, amizade é do ponto de vista da Psicanálise, um investimento de energia sexual. Em alguns investimentos a finalidade é inibida, tornada inconsciente, sobrando na consciência um sentimento de amizade. E para Freud isto se dá também entre pessoas do mesmo sexo.
Nesses casos, as normas sociais introjetadas em nosso superego são responsáveis pela inibição da finalidade genital.
Nesse movimento de investir libido no outro, há um importante processo – identificação- através da qual enriquecemos e formamos nossa personalidade.
Ex.: quando você admira muito alguém e passa a imitar ou a possuir características que eram do outro e que agora graças a identificação são suas.

- Paixão: é o extremo do investimento libidinal no outro, ou seja, o indivíduo investe tanta libido no
outro que se eu fica enfraquecido, empobrecido a ponto de fazer tudo o que o outro deseja. É a entrega
total ao outro.
É preciso que o indivíduo num movimento de defesa de seu eu, volte a investir libido em si próprio, o
que pode significar um amadurecimento do sentimento, que de paixão (entrega total) transforma-se em
amor (investimento libidinal com enriquecimento do eu).

Por que será que o sexo é algo tão complicado, tão cheio de restrições em nossa sociedade?
Segundo a Psicanálise – energia sexual é a energia que utilizamos para tudo (trabalhar, ligar-nos a outras pessoas, divertir-nos, produzir conhecimento etc.) enfim é a energia responsável pela criação do que conhecemos como Civilização Humana. Para que este fenômeno possa ocorrer é preciso transferir energia sexual para essas produções humanas. Portanto a civilização criada pelo homem para garantir sua sobrevivência, impõe à ele restrições na utilização de sua energia sexual, deslocando-a para outros fins que não o estritamente sexual.
Entre essas restrições estão – casamento monogâmico, restrições na escolha dos parceiros, as restrições sexuais impostas às crianças, etc. Freud afirmou que o homem, em determinado momento da sua história enquanto espécie, trocou o prazer pela segurança.
A esse mecanismo de desvio de energia sexual para fins não sexuais e importantes do ponto de vista social, chamamos de sublimação. Segundo Marcuse, essa repressão de energia sexual vai além do necessário para nossa sobrevivência.
A sociedade capitalista “dessexualizou” o homem, reprimiu sua libido e a utilizou para a produção de riquezas, de acordo com o interesse de um grupo dominante na sociedade: os capitalistas. Assim nossa sociedade tem uma moral sexual repressiva.
Durante a nossa socialização internalizamos as normas e regras sociais, estamos tornando nossa essa moral sexual, com todos os seus tabus necessários à manutenção da sociedade capitalista de exploração da força de trabalho humana, ou seja, de sua sexualidade.
Internalizados os valores, o rapaz ver-se-á pressionado pelo grupo e pela sua própria consciência a ser forte, sensual, potente e experimentado. A garota viverá o drama da virgindade, o medo da gravidez, as consequências da inexperiência sexual aliadas ao fato de ter um companheiro que sabe tão pouco de sexualidade e de prazer a dois quanto ela. Infelizes sexualmente, nossos cidadãos poderão dedicar-se com todo vigor ao trabalho.
Mas não é verdade que sejamos assim tão reprimidos. A TV mostra relações sexuais a todo instante, homens e mulheres exibem seus corpos, vemos homossexuais, mães solteiras, relações sexuais fora e anteriores ao casamento etc. Isto significa que estejamos vivendo uma época de maior liberdade sexual? Não significa liberdade sexual, e sim que estamos nos comportando sexualmente exatamente da forma como a sociedade permite.
A sociedade capitalista foi capaz de ajustar o nosso prazer. E esta é uma das armas mais poderosas para se exercer o poder.
Temos assim uma consciência feliz, o que não significa liberdade.
A possibilidade de uma sexualidade que corresponda aos nossos desejos (mesmo considerando que, para haver civilização, deva haver um nível de controle e repressão) dependerá de uma luta que o jovem deve enfrentar por uma nova moral sexual, que supere o poder castrador e passe para uma fase do encontro entre o prazer e a responsabilidade.
Na medida em que introjetamos os valores sociais, não há mais necessidade de cintos de castidade, pois o policiamento é interno ao indivíduo. Se ele deseja mesmo que não realiza o seu desejo, já é suficiente para sentir culpa.
Que postura então assumir nessas situações de conflito, onde desejo e culpa muitas vezes se confundem, deixando uma forte angústia como resultado?
A resposta ainda está por se fazer e você é parte dela. A discussão do papel da sexualidade nas relações, a discussão ética do significado das regras sociais e sua justa ou injusta interdição do prazer são questões que, discutidas, ajudarão a superar a angústia da culpa que certamente trabalha no território do não-saber.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

AMOR DESEJO DE COMPLETUDE - por Flávio Gikovate

Nunca me canso de refletir sobre a idéia bíblica de que o início da vida se deu no paraíso, onde nada faltava. Logo depois, não importa por quais razões, vem a expulsão do paraiso e o início das nossas dores.
O que me impressiona é que é assim mesmo que as coisas acontecem: estávamos no útero, protegidos, alimentados e livres de todas as dificuldades. Assim se forma nosso cérebro, cujo primeiro registro é o do delicioso eqülíbrio e paz.
De repente, vem a ruptura da bolsa e o início das dores do parto. A expulsão se dá e, a partir daí temos frio, fome, sede, dores e, principalmente, a sensação de abandono e desproteção. Ou seja, nascer significa uma transição dolorosa: passamos de uma situação melhor para uma pior. Se o primeiro registro cerebral é, como disse, o de paz e harmonia, o segundo corresponde à inesperada ruptura desse eqülíbrio. Essa ruptura ocasiona uma dramática experiência traumática. Estou usando o conceito de "trauma" no seu sentido correto: a experiência traumática marca e deixa cicatrizes que irão influir definitivamente sobre nosso destino e sobre a evolução da nossa subjetividade.
Do nascer sobra a cicatriz física, que é o umbigo. Sobra também uma cicatriz psicológica que corresponde, entre outras coisas, a uma nostalgia da condição anterior. Parece que essa sensação nos acompanha ao longo de toda a vida. Sentimos sempre que algo está nos faltando, que estamos de certo modo, incompletos.
Por mais agradável que esteja a vida, há sempre uma lembrança da perfeição perdida, que nos provoca um gosto amargo e uma certa insatisfação. A lembrança do útero, do paraíso perdido, nos persegue e é capaz de tirar parte do prazer que porventura estejamos sentindo.
Ficamos, pois, definitivamente comprometidos com essa sensação de incompletude. Parece que temos um permanente "buraco" na boca do estômago. Essa sensação é, provavelmente, responsável pelo sentimento de inferioridade presente em todos nós. Isso porque não sabemos que essa sensação é universal. Nós a sentimos, mas não imaginamos que os outros a sintam: assim, julgamo-nos inferiores.
Várias são as conseqüências de a vida se iniciar dessa forma. A mais marcante talvez seja a que diz respeito ao fenômeno do amor. A dramática sensação de desamparo que vivenciaamos ao nascer se atenua quando nos reaproximamos fisicamente de nossas mães, sobretudo na hora da amamentação . Aprendemos que o "buraco" diminui com a sua presença física, com sua proteção concreta e também com o aconchego abstrato que ela nos faz sentir. Assim, aprendemos que o melhor remédio para a sensação de incompletude é a aproximação física com a nossa mãe. É no colo dela que experimentamos a sensação mais parecida com a do paraíso uterino definitivamente perdido.
Buscamos ficar próximos de nossa mãe porque ela nos traz de volta a paz e a harmonia que um dia sentimos como permanentes. Só que agora isso se alterna com períodos de dor, desespero, angústia e "buraco" no estômago. Não há como estarmos permanentemente no colo da mãe, aconchegados por sua presença protetora.
Se definirmos o amor como o desejo de reencontrar a paz e a harmonia perdidos com o nascimento, por meio da aproximação física (e depois espiritual) com outro ser humano - que nos dá a sensação de completude que não temos quando estamos sós -, compreendemos que nosso primeiro objeto de amor é nossa mãe. Compreendemos também que todos os objetos posteriores são substitutos desse amor original. Como o desejo de nos "completarmos" nos persegue ao longo de toda a vida, podemos dizer que o amor é um dos desdobraments fundamentais do trauma do nascimento. Se nascer não fosse uma transição para o pior, para a dor, decerto não existiria o amor: ao menos o amor como nós o conhecemos.

Dr. Flávio Gikovate - médico psiquiatra, diretor do Instituto de Psicoterapia de São Paulo e autor de vários livros, entre eles, Home, o Sexo Frágil? E A Arte de Viver Bem.

TAMBA-TAJÁ - Por Fafá de Belém

"Tamba-tajá é uma planta nativa da Amazônia e, devido a sua lenda, considerada sagrada pelos índios macuxis e pelos caboclos marajoaras.
Segundo a lenda, havia um índio macuxi perdidamente apaixonado por uma índia de sua tribo e, como ela era paralítica, carregava-a amarrada às costas para onde quer que fosse.
A paixão alucinante do índio era o que lhe dava forças para vencer os obstáculos que a cada momento lhe surgiam à frente. Principalmente por que os macuxis viviam sem pouso certo.
Um dia, caminhando pela mata, o índio (casal) deparou-se com uma tribo inimiga, que logo o(s) reconheceu e saiu em sua perseguição. A luta foi desigual mas o macuxi conseguiu escapar ileso com sua companheira. Entretanto, durante a fuga, o índio sentiu que a cada momento a índia pesava-lhe mais aos ombros. Refugiou-se à beira de um igarapé e então notou que sua amada estava morta. Ali mesmo fez uma cova e, não vendo mais sentido em continuar vivendo sem aquele amor, enterrou-se junto com ela.
Na lua cheia, naquele mesmo lugar, nasceu o tamba-tajá.
O tamba-tajá é uma planta muito festejada pelos nativos, não apenas por sua graça e feminilidade mas, principalmente por seus mistérios e segredos.
Sua forma é simples, semelhante a um triângulo.
Sua cor é verde, com nuances escuras espalhadas pela palma da folha.
A tessitura é macia, meio aveludade tal a pele de um bebê, levemente marcada por veios de linhas aparentes.
Se bem observado, o tamba-tajá tem um detalhe curioso, que de certa forma reforça a origem da lenda: abaixo de seu vértice mais alongado, acha-se acoplada uma outra folha, em tamanho minúsculo, cuja forma se assemelha ao órgão genital feminino. O acasalamento dessas folhas simbolizam o índio macuxi e sua amada.
Na Amazônia e principalmente nas casas precárias do interior, o tamba-tajá é considerado como planta decorativa e é colocada uma folha atrás da porta, para assegurar aos casais moradores o eterno amor, pois segundo o dito popular "quem tem o tamba-tajá seu amor não perderá".

(Fafá de Belém).

domingo, 21 de setembro de 2008

INFÂNCIA DOPADA

Os remédios são cada vez mais usados para tratar problemas mentais de crianças


Célia conta que deixou de ser uma menina alegre em outubro do ano passado.
Tinha um colega de classe que não parava de importuná-la.
Ele falava bobagens em seu ouvido durante as aulas e também no recreio.
Um dia ela se encheu e aplicou um bofetão no insolente.
A professora não falou nada.
Os colegas riram e recriminaram sua atitude.
Foi a partir desse dia que Célia começou a ficar triste.
"Sei que não é motivo, mas foi assim que começou", diz a menina de 13 anos.
Durante uma semana, a mãe de Célia a levava até a porta da escola, mas ela não conseguia entrar.
Ficava tremendo dentro do carro.
A partir daí, deixou de freqüentar as aulas.
Durante meses, teve uma rotina de moribunda.
Só ficava na cama.
Os olhos pretos, sempre chorosos, não encaravam sequer a própria mãe.
Não lia e nem ligava a televisão.
A vaidade, uma de suas características mais evidentes, esmoreceu.
Nem banho queria tomar.
A falta de ânimo era tanta que já não comia mais.
"Não tinha vontade nem de tomar água", lembra.
Com quadro de desnutrição, a menina ficou vinte dias internada no hospital Albert Einstein, de São Paulo.
Oito meses depois do tapa no colega, Célia está melhor, mas continua triste: "Eu quero sair dessa. Quero voltar para a escola. Mas não consigo".
Os dezoito médicos consultados foram unânimes no diagnóstico: depressão.
Ela só começou a sentir-se melhor depois que a mãe venceu o medo e acatou a prescrição de um psiquiatra: hoje Célia toma dois comprimidos de Trofanil por dia e, como o antidepressivo causa disritmia cardíaca, é obrigada a ingerir uma dose de outro remédio para o coração.
Se a tristeza de Célia não tivesse acontecido nos anos 1990, a peregrinação por consultórios teria outro resultado.
Por muitos anos a depressão infantil permaneceu desconhecida.
A visão psicanalítica dominante durante boa parte deste século, recusava-se a reconhecer o distúrbio, alegando que crianças ainda não teriam "superego" maduro o suficiente para manifestação depressiva.
O avanço dos estudos do cérebro mudou essa concepção.
Convencidos de que crianças estão tão vulneráveis a deseqüilíbrios bioquímicos no cérebro quanto os adultos - nos quais desde a década de 1950 se aplicam terapias com remédios -, os psiquiatras entraram de sola no domínio das mentes em formação.
Além da depressão, cerca de outros vinte distúrbios, já são listados como problemas psiquiátricos infantis.
"Isso eliminou muito do preconceito que as doenças mentais tinham", acredita Marcos Mercadante, chefe da psiquiatria infantil da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
"Outro efeito foi acabar com a culpa dos pais, um ranço alimentado pela psicanálise".

"Idéias" - Quando completou 10 anos, o estudante paulista Pedro começou a sofrer com o que ele chama de "idéias".
"Não dá para explicar.
Eu penso umas coisas que não tem cabimento que não quero pensar.
Por exemplo, fico pensando que minha mãe é chata.
A idéia fica na minha cabeça e eu não consigo me livrar dela", conta o jovem hoje com 1.90metros de altura e 16 anos.
Pedro foi diagnosticado como obsessivo-compulsivo e começou a tomar um antidepressivo de nome Anafranil para diminuir a ansiedade e os sintomas obsessivos.
Melhorou, mas mantém a medicação para evitar recaídas.
O psicanalista infantil Bernardo Tanis reconhece que o remédio reduz a ansiedade, mas salienta: "Sozinho, não ajuda a criança a desenvolver seus recursos internos para viver".
Mesmo os mais fervorosos defensores da prática de dar remédio acham que a psicanálise ou alguma das 400 psicoterapias existentes são importantes na superação dos momentos ruins.
Tamanha flexibilidade tem motivos.
O fato de o remémio em muitos casos apresentar resultados mais visíveis e mais rápidos do que as psicoterapias não é uma prova de que as causas dos distúrbios psiquiátricos sejam neurofisiológicas.
O sistema de neurotransmissores responsáveis por todo o processo psíquico, quase sempre está deseqüilibrado num paciente em crise.
Mas a ciência ainda não sabe qo que é causa e o que é conseqüência.
O corpo influencia a mente e a mente influencia o corpo (psicossomática).
Do mesmo modo que uma alteração química pode modificar o emocional da criança, a constância de um pensamento ruim pode produzir o mesmo efeito.

Morte de Senna - O menino Fernando de 9 anos, é exemplo disso.
Ele começou a ter tiques nervosos na tarde do domingo em que o piloto Ayrton Senna morreu.
Ficou 18 horas fazendo repetidamente o som "tssk" com a boca.
Só parou depois que lhe deram um antialérgico no pronto-socorro.
Fernando brincou e estudou normalmente até janeiro deste ano, quando o avô morreu.
O que ele chama de "espirros" voltou com mais intensidade.
Uma junta médica da Santa Casa de São Paulo diagnosticou seu problema como sendo distúrbio de Tourette, uma doença psíquica que afeta uma em cada 2000 pessoas e se caracteriza por tiques motores ou vocais como grunhidos, fungados, tosse ou mesmo palavras ditas com freqüência e sem intenção consciente.
Fernando tem de interromper sua conversa constantemente para "espirrar".
Fica irritado e cansado por causa do tique.
"É muito chato", diz.
"Na escola muitos meninos gozam de mim.
Eu sei que incomoda, eu me esforço mas não para.
Quando me lembro do Senna ou do meu avô, volta forte".
Tudo leva a crer que o distúrbio de Tourette em Fernando seja um problema bioquímico.
A perda do Senna, o deflagrador.
Mas e se for o contrário?
O uso de remédios estaria, nesse caso, apenas reduzindo os sintomas, tratando a conseqüência como causa.
Não são poucos os pais que, dando-se conta dessas incertezas, preferem tentar as duas vias terapêuticasmais e voga: a psiquiatria e a psicologia.
A menina Paloma é uma dessas adolescentes multitratadas.
Ela tem um problema de nome tão desconhecido quanto o de Fernando: tricotilomania.
Aos 11 anos pouco depois de um acidente de carro que matou parentes que gostava muito, Paloma começou a chorar à toa e a arrancar compulsivamente os cabelos.
Faz terapia há cinco anos com psicólogos e toma antidepressivos há dois.
"Fiquei mais calma, choro menos, mas o negócio de arrancar o cabelo não consigo controlar", diz a jovem loira de 16 anos.
A tricotilomania começa geralmente na infância.
A pessoa não consegue resistir ao impulso de arrancar os próprios cabelos, as sobrancelhas ou os cílios.
Tem uma sensação crescente de tensão antes de começar a puxar os cabelos e sente-se relaxada e gratificada depois de fazê-lo.
Em geral, não sente dor.
"É ruim porque é feio. Quando alguma amiga pergunta por que meu cabelo é assim, mudo de assunto. Não quero que me achem esquisita", diz Paloma.

Decisão Difícil - Prescrever remédios para crianças não é uma decisã fácil.
A farmacologia conseguiu eliminar muitos efeitos colaterais graves, mas eles ainda existem.
Além disso, os remédios de uso psiquiátrico específicos para crianças são poucos.
O que os médicos fazem é reduzir as doses recomendadas para adultos.
A FDA, órgão americano responsável pela fiscalização de drogas e remédios, libera para uso em depressão infantil apenas dois medicamentos: o Anafranil e o Trofanil.
Para decidir quando devem prescrever remédios a uma criança, os médicos avaliam quanto os sintomas estão afetando o desenvolvimento, a sociabilidade, o desempenho escolar e a capacidade de criar.
Por mais que os psiquiatras tenten conferir precisão ao diagnóstico, é preciso admitir: são critérios muito subjetivos.
Quando dizer se um menino levado é simplesmente levado ou hiperativo?
Em que momento o chamado desvio de conduta nada mais é do que uma saudável manifestação de independência?
Em casosextremos como o de Marcelo, 8 anos é fácil.
Aluno de 1ª série, ele não consegue prestar atenção à aula.
Ficar sentado na carteita é é algo impossível - salta e bate o pé no chão o tempo todo.
Em casa à noite não consegue dormir.
Se pega no sono, sofre de sonambulismo.
Diagnosticado como hiperativo com déficit de atenção, Marcelo sofre de um distúrbio que afeta 3% das crianças.
Medicado, o garoto melhorou.
Não falta alarmismo às estatísticas sobre o número de crianças com problemas psiquiátricos.
Os compêndios chegam a afirmar que 10% dos meninos e meninas em idade escolar são portadores de distúrbios ou virão a manifestá-los ainda nessa fase da vida.
Nem todos freqüentarão consultórios psiquiátricos, é verdade.
Alguns, por não ter condições para tanto.
Outros por que superarão sem apoios químicos a fase de problemas.
A tendência à medicação precoee, porém, cresce e alarma.
Mesmo psiquiatras - os principais beneficiários da nova onda - vêem com excessos.
O chefe do serviço de psiquiatria infantil da Escola de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Raul Gorayeb, por exemplo, não hesita em acusar: "Essa tendência à medicamentação tem causa ideológicas e interesseiras. É fruto da hipervalorização dos aspectos biológicos sobre os psicológicos e sociais e de um comodismo em buscar soluções rápidas. A parte interesseira é o marketing agressivo da indústria farmacêutica".

VEJA, 14 DE JUNHO, 1995. pg 66/67