segunda-feira, 25 de agosto de 2008

INTERIORES - Por João Carlos Pacheco

Os três moram com o pai, o professor Freud. Um se chama Id, o outro Ego e o terceiro Superego. o impulsivo, brigão, irracional e baixinho é o Id. O delicado neurótico e reprimido é o Ego. O grandalhão, truculento e repressivo é o Superego. Apesar de irmãos, eles não se combinam em nada. O Superego estuda direito, o Ego Filosofia e o Id faz o supletivo. O Superego é policial, o Ego é professor de Moral e Cívica e o Id trabalha numa fábrica. Talvez por isso, eles nunca estejam numa boa. Estão sempre em conflito. O Id odeia o pai, quer matar os irmãos e não consegue entender suas atividades repressivas. O Superego domina o Ego e tenta conter os impulsos homicidas do Id. O Ego, esprimido no meio, faz o que pode para manter um frágil equilíbio entre eles. O pai não se mete. Só observa.
Outro dia, era um domingo, o Superego estudava, o Ego lia, o pai dormia e o Id se entregava a seu passatempo predileto: paquerar vizinhas d binóculo. Aliás, naquele dia o Id havia descoberto uma nova e linda vizinha no edifício do lado e seu entusiasmo era nto que ele não parava de gritar frases para ela.
-Mulherão! Se o pessoal da ONU te enxerga, te declara patrimônio da humanidade, Oh! monumento! Se deus fez outra igual, guardou para Ele, oh! perfeição!
O Superego, irritadíssimo, repetia pela décima vez para que ele parasse com aquilo, senão a cana pintava. O Id respondia que a polícia já estava ali, ao vivo, e que não era de nada. Que a mulher era boa demais e estava se pelando e que também ia se pelar pra ela ver. E não parava de repetir:
-Vou tirar as calças!
A zorra foi tanta que num dado momento o Superego explodiu e tentou exercer sua autoridade jogando um código civil na cara do Id. O tempo fechou. O Ego comprou a briga e partiu pra cima do Superego com a Psicopatologia da Vida Cotidiana. Este revidou com O Tratado de Direito da Família. O Ego se defendeu com Medo à Liberdade, de Fromm. O Superego contra atacou com o código penal. O Id ia passando a mão num Eros e a Civilização, do Marcuse quando o pai chegou e apartou os três. Foi então que aconteceu o inesperado. O pai apanhou o binóculo, focou a mulher e ficou branco: "Meu Deus..Não pode ser. É ela!
"Ela quem?", perguntaram todos, ao mesmo tempo. "A Libido, meus filhos. Outra filha minha...irmã de vocês...", disse o professor desolado. E caiu no divã.
Naquele momento, pela primeira vez, todos sentiram, ao mesmo tempo, um estranho desejo de matar o pai.


João Carlos Pacheco, gaúcho, escritor e publicitário.

Um comentário:

Grace A Gomes disse...

Olá! Guardo o recorte deste artigo há muitos anos, AMEI a interpretação das 3 instâncias de Freud... Fico feliz que alguém tenha publicado, vou partilhar no meu blog, tb!