sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O SONO

O sono de um determinado indivíduo não é exatamente igual de uma noite para outra. A informação contida no eletroencefalograma (EEG), no eletroculograma (EOG) e no eletromiograma (EMG) torna possível definir a vigília e cinco fases do sono. As fases 1 a 4 agrupam-se sob a designação de "sono lento", por causa das ondas lentas registradas. A quinta fase é a fase paradoxal, assim chamada em virtude da dissociação que parece existir entre um sono profundo do ponto de vista do comportamento e uma atividade EEG semelhnate à do sono leve.
A fase 1 intermediária entre a vigília e o sono, num indivíduo normal é breve e constitui, de fato uma transição entre o estado de acordado e o sono mais profundo. A sua proporção aumenta fortemente em alguns indivíduos que sofrem de insônias. Esta fase é acompanhada muitas vezes de uma atividade mental sob a forma de imagens figuradas ou não, coloridas e, por vezes, organizadas em cenas pouco semelhantes ao sonho. A fase 1 não é vivida como sono verdadeiro pelo indivíduo que sofre de insônias, porque são mantidos, em parte, os contatos com o meio através das aferências sensoriais.
A fase 2 de "profundidade" média, constitui em quantidade, cerca da metade do sono total. A atividade mental que a acompanha é pobre ou ausente, sob a forma mais de pensamentos d que imagens visuais.
As fases 3 e 4 sono lento profundo, são abundantes na criança e até o começo da idade adulta; depois decrescem muito nitidamente, e não é raro que a fase 4 desapareça por completo a partir dos cinqüenta anos, notando-se a este respeito grandes diferenças individuais. Existem razões para se pensar que o sono lento profundo constitui um elemento fisiológico importante na continuidade e na duração do sono.
As fases 1 a 4 são de "profundidade" crescente, o que pode medir-se pelo aumento da atividade lenta no EEG, pela diminuição da motricidade corporal e pela diminuição do tono muscular. No entanto, esta noção de profundidade é difícil de definir. Se é verdade que o limiar da vigília é mais elevado na fase 4 do que na fase 2, não se segue daí que a fase 4 dê uma impressão subjetiva de sono mais nítida do que a fase 2. Com efeito, acontece freqüentemente que indivíduos despertados na fase 4 aleguem não ter dormido, mas ter passado um tempo de "reflexão".
A fase paradoxal representa um estad diferente, que não se situa na continuidade das fases do sono lento.
É caracterizada por uma atividade elétrica cerebral idêntica à do sono lento, traduz um nível mais marcado de ativação do sistema nervoso central. Surgem movimentos oculares rápidos, isolados ou em impulsos. É abolido o tono muscular de fund, mas há pequenas agitações das extremidades e da face assim como movimentos corporais muito abundantes. A respiração e o ritmo cardíaco apresentam-se irregulares, a tensão arterial é mais variável do que no sono lento. No homem, a fase paradoxal é quase sempre acompanhada de ereções, quer o conteúdo onírico que a acompanha seja de natureza erótica ou não.
Uma característica muito importante da fase paradoxal é sua recorrência cíclica. O indivíduo normal, nas condições habituais, adormece sempre em sono lento, passando pelas fases 1, 2, 3 e 4. Permanece na fase 4 durante um tempo variável, de alguns minutos a mais de meia hora, mas tanto maior quanto mais jovem for, Esta fase 4 termina quase sempre por um movimento seguido de um período de sono lento mais leve, o mais das vezes da fase 2. Bastante mais raramente, há diminuição do sono sem qualquer movimento corporal. Excepcionalmente observa-se uma transição abrupta da fase 4 para a fase paradoxal. A fase 2 é interrompida pelo aparecimento da primeira fase paradoxal, bastante breve, não passando além de dez minutos; é seguida muitas vezes, mesmo no indivíduo normal, por um pequeno despertar, aliás esquecido e manhã. Assim, a articulação entre a fase paradoxal e o sono lento que se lhe segue é um momento frágil do sono, mesmo fisiológico. É uma das razões porque se pode dizer que o sono é o guarda do sonho, e não, como é clássico pensar-se que o sonho é o guarda do sono. A primeira fase paradoxal termina o primeiro ciclo do sono, e este vai continuar durante o resto da noite, sendo constituído por uma sucessão de fases de sono lento e de fases paradoxais. Uma noite completa comporta entre quatro e cinco ciclos; a fase 4 predomina nos primeios ciclos, ao passo que as fases paradoxais tendem a alongar-se nos últimos ciclos da noite. Pode-se notar que é o sono paradoxal e não o o sono lento que ritma o sono. A característica mais conhecida da fase paradoxal é a atividade onírica que a acompanha. Se se desperta um indivíduo em fase paradoxal, obtém-se um conteúdo onírico em cerca de 90% dos casos, mesmo naqueles que, normalmente, não se lembram do que sonharam.
A riqueza dos conteúdos oníricos é muito diferente de indivíduo para indivíduo. Em alguns abrange apenas uma única imagem, que representa muitas vezes o fim do sonho ( o indivíduo tem a sensação de que havia qualquer coisa antes, mas não se lembra); em outros, pelo contrário, recolhem-se episódios extraordinariamente ricos e pormenorizados, que podem estender-se por duas ou três páginas datilografadas. A riqueza dos conteúdos depende também do estado do indivíduo, assim, um estado febril tende a torná-los raros e a encurtá-los, paralelamente a uma diminuição global da fase paradoxal.
Os sonhos podem ser estudados em laboratório através da técnica do despertar. Esta técnica consiste em seguir o sono de indivíduos em que se faz um registro EEG e que são acordados dez a quinze minutos após o início de cada fase paradoxal. As descrições de sonho recolhidas são analisadas segundo escalas definidas, para julgar, por exemplo, o seu grau de realidade ou a sua carga emotiva. É uma maneira de os medir, para descobrir modificações em diferentes condições experimentais.
Utilizando a técnica do despertar no indivíduo normal, pode-se mostrar que os sonhos são influenciados sob diversos pontos de vista. Estudos mostram que há um aumento dos conteúdos de sonhos em indivíduos que utilizem medicamentos psicotrópicos.
Em certas formas de psicoterapia e no tratamento psicanalítico clássico, o material onírico é interpretado simbolicamente no quadro de teorias da personalidade ou da afetividade. O estudo clínico dos sonhos num plano puramente descritivo, sem referência a teorias psicodinâmicas, é um aspecto diferente. Foi assim que autores americanos e japoneses descreveram conteúdos particulares emc ertas doenças mentais, especialmente na esquizofrenia e na depressãoo. O seu estudo, fora de qualquer a priori teórico, pode contribuir para enriquecer o nosso conhecimento do curso e da fisiopatologia destas doenças.
Existe uma crença popular segundo a qual certos sonhos poderiam ser prenúncio de determinadas doenças orgânicas. Ainda que não demonstrada atualmente, esta eventualidade não merece rejeição sumária. Na verdade, em fase paradoxal, o sistema nervoso central está quase completamente isolado das influências exterior, mas parece ficar sensível a certas aferências de origem visceral ou metabólica. Prova disso é a existência, mas também a raridade, dos sonhos com incorporação de estímulos exteriores, ao passo que se encontram com maior freqüência elementos vegetativos, por exemplo, uma necessidade de urinar. É concebível que uma dor infraclínica no estado de vigília possa manifestar-se, de uma maneira ou de outra, nos conteúdos oníricos.
Os principais parâmetros do sono são os seguintes:
Quantidades das fases - duração em minutos de cada fase (vigília, fases 1 a 4, fase paradoxal) contada sobre a noite inteira.
Latência de sono - tempo que se leva para adormecer, isto é, número de minutos compreendidos entre o início do registro e o começo do sono.
Latências das fases - durações, em minutos, compreendidas entre o começo do sono e o primeiro aparecimento das fases respectivas.
Latências de despertar - duração do sono depois do primeiro adormecimento até o primeiro despertar de uma certa duração (quatro minutos, pelo menos).
Número de ciclos e sua duração média - número de ciclos completos, constituídos por sono lento seguido de uma fase paradoxal sem despertar intercorrente.
Motricidade corporal - número de minutos compreendendo pelo menos, um movimento do corpo.

O Sono como exigência médica

A insônia é um problema que freqüentemente leva o paciente a consultório de médicos clínicos, especialistas e inclusive a internação, uma vez que constitui uma importante fonte de angústia e inquietação. Vale notar que o paciente se utiliza dessaa queixa para iniciar um diálogo com o médico, sendo que, na verdade, a insônia simboliza um problema mais profundo.
Por isso a insônia é encontrada com mais freqüência em psiquiatria onde ela se apresenta como sintoma único ou fazendo parte de uma reação ou de um processo. Pode estar presente na neurose (cuja freqüência e gravidade são variáveis), nas psicoses agudas, na mania, na melancolia, nas "boufées" delirantes, nos estados confusos-oníricos (como delírium tremens) ou nas esquizofrenias. Existem fatores agressivos e estressantes que ameaçam o equilíbrio somático do organismo podem desencadear distúrbios do sono. Deste modo, também as doenças somáticas podem apresentar complicações na esfera do repouso.
As insônias severas e crônicas são as mais difíceis para tratar.
Os sintomas relacionados a seguir classificam a insônia segundo a intensidade:
Insônias resistentes (presença de um ou mais dos seguintes sintomas) - mais de 1 1/2 hora para adormecer, 3 despertares noturnos, no mínimo, sono com menos de 4 horas de duração, resistência a remédiosleves ou a necessidade da combinação de 2 remédios e a insônia persiste por mais de 3 meses.
Insônias moderadas (presença de ou mais dos seguintes sintomas) - apoximadamente 1 hora para adormecer, 2 despertares noturnos, sono com menos de 6 horas de duração, resist~encia de um remédio leve e insônia que persiste por mais de 1 mês.

A média de duração total do sono está compreendida entre 8 horas e 8,30 horas. Os casos em que a duração do sono é menor que 4 horas são na maioria aqueles em que a insônia é resistente.

Jean-Michel Gaillard. Clínica Psiquiátrica Bel-Air da Universidade de Genebra.

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