sábado, 22 de novembro de 2008

O CASO SCHREBER - Análise de um caso de psicose

HISTÓRIA CLÍNICA

Dr. Daniel Paul Schereber apresentou em seu livro "Memórias de um doente de nervos" - publicado em 1903, oito anos antes de sua morte "faleceu em 14 de abril de 1911" - sua história clínica, embora muitas partes importantes foram censuradas dificultando a análise de Freud.
No outono de 1884, com 42 anos, ocorreu a primeira manifestação efetiva da doença. Em fins de 1885 achava-se completamente restabelecido. Na ocasião estava se candidatanto às eleições parlamentares as quais perdeu. Era então, presidente do TribunalRegional de Chemmitz.
Tratou-se em uma clínica sob os cuidados do Dr. Flechisig durante seis meses, sendo diagnosticado na época uma crise de hipocondria grave.
Sua vida seguiu por mais oito anos sem nenhum acontecimento significativo, passando momentos de grande felicidade com a esposa, ricos dee honorários e nublados apenas, de vez em quando, pela contínua frustração da esperança de ser abençoado com filhos. Foi informado em junho de 1893 de sua provável indicação para o Senatspräsident, e assumiu o cargo a primeiro de outubro do mesmo ano. Entre os períodos de junho de 1893 e outubro de 1893 teve dois sonhos os quais só mais tarde que lhes veio a atribuir alguma importância, a saber: o primeiro trazia a idéia de que seu antigo distúrbio retornara, e o segundo, em que se encontrava entre o sono e a vigília pensou que deveria ser muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula, idéia que teria rejeitado com a maior indignação, se estivesse plenamente consciente.
Ao final de 1893, desenvolveu-se o segundo período da doença. Na época era presidente da Corte de Apelação de Dresden e submetido a um tratamento estafante, estando com 52 anos. Queixava-se de acesso de insônia, tendo idéias extremamente hipocondríacas, acreditando estar em decomposição - achava que seus órgãos internos apodreciam (queixava-se de ter um amolecimento do cérebro); apresentava idéias de perseguição, alta sensibilidade à luz e ao som (hiperestesia). Mais tarde, as ilusões visuais e auditivas tornaram-se mais freqüentes e, junto com os distúrbios cenestésicos, dominavam a totalidade de seu sentimento e pensamento. Acreditava estar morto e em decomposição, que sofria de peste: asseverava que seu corpo estava sendo manejado de maneira mais revoltante. Ansiava pela morte, tentando várias vezes o suicídio (relatório redigido pelo diretor do Asilo Sonnenstein). Fez repetidas tentativas de afogar-se durante o banho e pediu que lhe fosse dado o "cianureto que lhe estava destinado".
Algum tempo depois estas idéias delirantes assumiram um caráter místico, e a psicose inicial aguda se desenvolveu rapidamente. Schereber, qualquer que fosse o assunto discutido, agia normalmente, apresentava um alto nível cultural e intelectual, mostrava-se uma pessoa inteligente e bastante interessada em assuntos gerais - de toda natureza - e se relacionava muito bem com as pessoas ao seu redor.
Nem por isso deixava de acreditar em seus delírios, ao contrário, discutia-os como se tratasse de um outro assunto qualquer. Havia certas pessoas por quem pensava estar sendo erseguido e prejudicado, e aquem dirigia vitupérios. A mais proeminente delas era seu médico anterior, Fleschsig. Foi removido para Leipzig e, após breve intervalo passado noutra instituição, foi trazidoem junho de 1894 para o Asilo Sonnenstein, perto de Pirna, onde permaneceu até que o distúrbio assumiu o aspecto final. A psicose inicial comparativamente aguda, que havia envolvido diretamente toda a vida mental de Schereber merecia no nome de "insanidade alucinatória"desenvolveu-se cada vez mais claramente até o quadro clínico paranóico. Apesar de ter desenvolvido uma estrutura delirante, por outro lado sua personalidade fora reconstruída e se mostrava, exceto por alguns distúrbios isolados, capaz de satisfazer as exigências da vida cotidiana. Assim em julho de 1902, os direitos civis do Herr Senatspräsident Dr. Schereber foram restabelecidos.
Finalmente a terceira crise que o acompanhou à morte se deu a 27 de novembro de 1907.

. Sistema delirante de Schereber:
O enfoque principal de seu sistema delirante apoia na sua crença em ter a missão de salvar o mundo e restituir-lhe o estado de beatitude. Esta missão se realizaria primeiramente ao transformar-se em mulher, pois assim geraria uma nova raça de homens, uma raça purificada. Foi convocado a essa tarefa, assim assevera, por inspiração direta de Deus. Ele próprio, está convencido, é o único objeto sobre o qual milagres divinos se realizam, sendo assim o ser humano mais notável que até hoje viveu sobre a Terra.
Segundo o Dr. Weber - diretor da clínica e Flechsig a força motivadora deste complexo delirante foi a ambição do paciente em desempenhar o papel de redentor. Ambição igual a onipotência.
No início de seu delírio, Schereber acreditava que estava apodrecendo, que seus órgãos estavam se decompondo e no lugar estavam se formando nervos femininos, tendo início o processo de emasculação; encarava este ato com repulsa e perseguição pois acreditava fazer parte de sua missão seu corpo ser entregue a alguém para que este o usasse sexualmente. A toda hora e a todo minuto, durante anos, experimentou esses milagres em seu corpo e teve eses milagres confirmados pelas vozes que com ele conversaram. Durante os primeiros anos de sua moléstia, alguns de seus órgãos corporais sofreram danos terríveis que inevitavelmente levariam à morte qualquer outro homem; viveu por longo tempo sem estômago, sem intestino, quase sem pulmões, com o estômago rasgado, sem bexiga e com as costelas despedaçadas; costumava às vezes engolir parte de sua laringe com a comida etc. Mas milagres divinos ("raios") sempre restauravam o que havia sido destruído, e portanto, enquanto permanecer homem, é iteiramente imortal. Esses fenômenos alarmante cessaram e, como alternativa, sua "feminilidade" tornou-se proeminente. Ele tem a sensação de que um número enorme de "nervos femininos" já passou para o seu corpo e, a partir e, a partir deles, uma nova raça de homens originar-se-á, através de um processo de fecundação direta por Deus. Somente então, segundo parece, poderá morrer de morte natural, e juntamente com o resto da humanidade, reconquistará um estado de beatitude. Nesse meio tempo não só o Sol, mas também as árvores e pássaros, que têm a natureza de "resíduos miraculados (bemiracled) de antigas almas humanas, falam-lhe com inflexões humanas, e coisas miraculosas acontecem a seu redor.
Considerou o Dr. Flechsig como o perseguidor, seu inimigo, chamando-o de "assassino de almas". Posteriormente, atribuiu a perseguição ao próprio Deus e o Dr. Flechsig tornou-se aliado ou cúmplice de Deus contra ele.
Baseado na "ordem das coisas", no início era contrário a sua transformação em mulher, mas depois achou que a transformação era de acordo com a "ordem das coisas" porque servia a desígnios divinos.
A relação com Deus era feita por um contato direto através de seus nervos e os nervos de Deus (os raios do Sol). Esta comunicação tinha a finalidade de atrair Deus para uma fecundação.

. Teoria - Psicoses:
A neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o id, ou seja, o ego obedece às exigências da realidade e do superego, recalcando as reivindicações pulsionais.
O mecanismo básico de defesa das neuroses é a repressão que originará os sintomas característicos da neurose obcessiva, histeria de conversão ou neurose de angústia..
Esses sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem as suas raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromisso entre o desejo e a defesa.
As atitudes narcisistas, na neurose não são uma uma perversão mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de auto preservação, pois não chega a uma satisfação completa das atividades narcisistas. Mesmo quando persiste desistir de sua relação com a realidade, não corta de modo algum suas relações eróticas com as pessoas e as coisas. No caso da histeria ou da neurose obsessiva ainda retém suas relações na fantasia, isto é, há uma substituição por um lado, dos objetos imaginários de sua memória por objetos reais, ou então, mistura os primeiros com os segundos e por outro lado renuncia à iniciação das atividades motoras para a obtenção de seus objetos.
Normalmente, o mundo externo governa o ego pelas percepções atuais e presentes, que se renovam constantemente e pelas lembranças de percepção anteriores que formam um mundo interno no ego.
Na psicose o ego além de rejeitar novas percepções do mundo externo, retira a catexia do mundo interno e cria de acordo com os desejos do id, um novo mundo externo e interno. Existe ai uma volta à fase de fixação na infância, que é o narcisismo primário para a parafrenia, ou à etapa anterior, o auto erotismo na esquizofrenia.
Segundo Freud inicialmente a criança não tem ego, ele é desenvolvido posteriormente, mas os instintos auto eróticos existem desde o começo. Depois desse auto erotismo uma nova ação psíquica será adicionada, haverá a integração do ego, surgindo o narcisismo primário.
No início toda libido é direcionada para o ego e posteriormente parte dessa libido será transmitida a objetos - pessoas e coisas - se dividindo em libido do ego e libido objetal. Numa pessoa "normal", essa libido circula do objeto para o ego e vice versa, sendo que quando está direcionada para uma diminui a outra. A libido do objeto atinge seu ápice de direcionamento, por exemplo, quando nos apaixonamos, situação em que enaltecemos o outro e até esquecemos de nós mesmos.
Na psicose a libido do objeto é totalmente recolhida para o ego. A libido liberada pela frustração é retirada para o ego e a megalomania corresponderia ao domínio psíquico dessa libido. Assim, o indivíduo entra em algo chamado narcisismo secundário, que tem muito a ver com o narcisismo primário. A retração provoca uma dissolução das identificações secundárias com o mundo externo. Na parafrenia, a libido sai em busca de objetos - propósito de cura - e dá lugar ao delírio. Esta retração da libido provoca algo chamado "vivência de fim de mundo" onde ela abandona o mundo debilitando-o até a sua destruição e se dirige ao Eu engrandecendo-o.
A psicose tem seu início provavelmente num momento de frustração na infância por um desejo profundamente enraizado que não foi realizado. Essa frustração pode se dar por meio do superego, que assume a representação das exigências da realidade. O ego no caso da psicose se deixa derrotar pelo id e é arrancado da realidade. O ego fracassa na tentativa de conciliar as exigências que as outras instâncias fazem a ele, portanto retirando catexia dos objetos do mundo externo.

. Destino do componente afetivo:
Segundo Freud o componente afetivo que aparece junto a uma idéia ou representação pode ter três caminhos:
- aparecer normalmente
- modificar-se em outro tipo de sentimento - no caso do sentimento inicial causar desconforto, muda-se a qualidade do sentimento.
- ou se inibir seu desenvlvimento - repressão.
Nos dois últimos destinos citados, o que há é uma forma de defesa por um sentimento que causa desprazer ou ansiedade.

. Diferença entre esquizofrenia, parafrenia e paranóia:
Esquizofrenia - demência precoce - para Kraeplin. Acontece na juventude. Deterioração da vontade, indiferença para com os outros, recalque total, intenções e reconexão são débeis, delírios pobres e menos estáveis, decadência psíquica, fixação na fase de auto erotismo.
Paranóia - Tem caráter hostil, vivência do delírio com intensidade, tentativa de instigar a ação, procura mobilização do outro em prol de suas exigências e denúncias, delírios confundidos com o mundo.
Parafrenia - Tem início entre os 30 e 50 anos. Possuir caráter afável, delírio abundante e rico, mal sistematizado, possuir uma teoria com a qual se tenta convencer o outro, defesa de idéias absurdas de maneira intelectual, tentativa de explicar com detalhes os delírios, inteligência, humor e tato, fixação no narcisismo primário, agir normalmente a não ser com relação ao assunto que gerou o delírio.

. Análise do Caso Schereber:
Qualquer tentativa de interpretação do Caso Schereber baseando-se na teoria psicanalítica, deve pressupor o desenvolvimento psicossexual e os emcanismos de defesa do ego. O Caso Schereber sendo uma psicose reporta-se a uma regressão ao narcisismo primário que é ponto de fixação no desenvolvimento psicossexual de Schereber. No caso Schereber, mais uma vez encontra-se no terreno familiar paterno. O Sol nada mais é que um símbolo sublimado do pai.

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